quinta-feira, 28 de junho de 2007

A OPORTUNIDADE DO LADRÃO



Que espécie do ladrão iria desprezar a oportunidade?
1999. Era uma noite de inverno. Os vigias da Galeria Nacional, na Noruega, estavam no subsolo, às voltas com relatórios. Uma versão de O Grito, de Eduard Münch, se encontrava nas proximidades do andar térreo. O quadro fora colocado perto da janela que dava para s rua. As janelas não tinham grades. Apenas um arame prendia a obra à parede. Simples assim – sem sistema de alarmes, sem monitoramento.
Os ladrões não precisaram de muito. Puseram uma escada ao lado da janela, quebraram o vidro e levaram o quadro de 100 milhões de dólares. Até um cartão foi deixado como lembrança: na frente, a reprodução de Uma boa história, obra de Marit Walle, na qual três homens riem e socam uma mesa; no verso, o dizer “muito obrigado pela segurança precária.” [1]
Edward Dolnick [2], que relatou o episódio em um livro, diz: “A razão da existência dos museus é mostrar seus tesouros ao público. Para os bancos, tudo é mais fácil, pois guardam os seus tesouros em cofres seguros e muito equipados.” Como será que você guarda os seus tesouros – da mesma forma que os museus ou ao modo dos bancos?
Expor a intimidade. Confidenciar segredos. Arriscar-se. Falar demais. Não importa como você chame, mas foi isto que Sansão fez: cercou seu maior tesouro com uma segurança precária.
 “Relações impossíveis – meu dom natural, relações impossíveis.” Este lamento partiu da personagem interpretada por Richard Gere no clássico romântico Uma linda mulher. Mas caso Sansão o tivesse dito, não haveria nenhuma inadequação.
 “Depois disto se afeiçoou a uma mulher do vale de Soreque, cujo nome era Dalila” Juízes 16:4.
Você se lembra que a primeira mulher com a qual Sansão se envolvera havia sido uma garota que morava em Timma, cidade da Filistia; ele chegou a se casar com a moça, mas a relação não durou muito. Poucos anos depois, a Bíblia menciona seu affair com uma prostituta de Gaza, outra cidade dos filisteus. Agora, Sansão se afeiçoou a Dalila, natural de Soreque, uma cidade dos… se você disse “filisteus”, Bingo!
Sansão recebeu a incumbência de livrar seu povo do domínio filisteus. Era para ele ter colocado o nome “Filisteu” em um alvo e ficar atirando dardos nele durante as horas vagas! Mas Sansão se envolveu com o inimigo. Todas as mulheres na vida de Sansão eram filisteias.
Qual o mal nisso? Sansão perdeu o foco por colocar seu amor nas pessoas erradas. Os filisteus Não adoravam ao Deus de Israel. Tinham valores diversos aos ideais divinos. Envolver-se com eles era abrir mão da bênção de fazer parte do povo distinto de Jeová.
Tem você posto seus afetos em pessoas ou coisas erradas? Aventurado-se em “relações impossíveis”? Uma colega de trabalho que lhe dá carona e por quem você começa a sentir atração, apesar de saber que ela não possui os mesmos princípios. Um emprego com ótimas perspectivas financeiras, mas procedimentos moralmente questionáveis. Assistir aquele programa de humor na televisão, tentando se convencer de que as piadas de forte apelo sexual podem ser toleradas. Pessoas ou coisas erradas, não é? Compensa se envolver com o que Deus não recomenda?
Aqui está o primeiro erro de Sansão, alguém que teve tudo para vencer, mas que não resistiu ao primeiro round: ele simplesmente apaixonou-se pela pessoa errada. O curioso é que o nome Dalila significa, provavelmente, terna. Mas a ternura aparente escondia a armadilha do descomprometimento para com Deus. Você já sentiu o mesmo na pele? Pessoas e atividades são constantemente instrumentos de poderes malignos para nos enredar e, quando menos percebermos, os segredos estarão nas mãos do inimigo.

[1] Correio do Estado, ano 53, n° 16.314, Domingo, 16 de Julho de 2006.
[2] Edward Dolnick, O Grito Roubado, Editora Dumara, Edição: 2006.



segunda-feira, 25 de junho de 2007

O DESEJO MAIS VELHO DO MUNDO




TÓQUIO -" O japonês Tomoji Tanabe, de 111 anos, recém-nomeado como o homem mais velho do mundo pelo Guinness Book, afirmou que deve sua longevidade a uma vida sem álcool (abstemia). 'Não bebo - esta é a maior razão para minha boa saúde', disse Tanabe, contando também que não fuma e gosta de tomar um copo de leite por dia.

Questionado sobre quanto tempo mais ainda gostaria de viver, o japonês, ex-funcionário do governo local, simplesmente disse: 'Não quero morrer'.

Tanabe, que vive em Miyakonojo, cerca de 900 Km a sudoeste de Tóquio, encontrou o prefeito da cidade para receber o certificado do Livro dos Recordes reconhendo-o como o homem mais velho do mundo.

Sua compatriota Yone Minagawa, de 114 anos, é considerada pelo Guinness como a pessoa mais velha do mundo. "

O que mais me chamou a atenção na matérias é a manifestação do anseio que Deus colocou no coração do homem: viver para sempre.

Aqui isto é desmotivador: a velhice acaba com o paladar, as habilidades vão se perdendo, a disposição se arrefece. Uma hora o desejo de descanço chega e a vida perde o tempero.

Apenas na Nova Terra, prometida pelo Senhor Jesus, será compensador o usufruto da eternidade. Sem filas em hospitais. Sem conflitos familiares. Um sonho atingido dará lugar ao planejamento para novas realizações.

Se fosse possível estar apenas uma hora no paraíso, já teríamos vivido mais do que 111 anos neste velho mundo...



sexta-feira, 22 de junho de 2007

Leonardo Gonçalves: As expectativas do novo CD e uma análise de sua influência musical


Leonardo Gonçalves estará lançando um novo CD em breve. A repercussão de seu primeiro trabalho, Poemas e Canções, foi estrondosa. O repertório logo se consagrou junto ao público jovem, especialmente no caso de canções como Volta e Getsêmani (sendo que esta última ganhou espaço entre os evangélicos por ter sido veiculada num comercial de televisão da Rede Super, canal de TV da Igreja Batista da Lagoinha).[1] Leonardo também trouxe um estilo diferente, baseado em influências musicais da MPB[2] e do estilo Black de cantar. Poderíamos arriscar dizer que, se há 15 ou 10 anos Fernando Iglesias era o cantor cujas músicas mais influenciavam os cantores das igrejas locais, hoje esse papel de modelo para os músicos é desempenhado por Leonardo Gonçalves.

Claro que tudo o que é novo causa estranheza e manifestações de desaprovação, principalmente por parte de membros mais antigos da igreja. Como serão as reações ao novo CD do cantor? Se Leonardo mantiver suas características, continuará dividindo opiniões. Mas teriam as pessoas o direito de questionar se uma forma de louvar a Deus é mais correta do que outra? Será que o Senhor aprova todo estilo musical? Que tipo de cuidados técnicos deveria ter um músico ao cantar na casa de Deus?

Primeiramente, qualquer questão envolvendo a música não pode ser vista apenas da perspectiva do antagonismo entre “estilo novo/estilo antigo”. Devemos procurar as orientações bíblicas e do Espírito de Profecia sobre o assunto. Parece que há um receio generalizado de consultar o claro “Assim diz o Senhor” quando o assunto é música. Alguns fazem crer que esse é um assunto no qual “vale tudo”, em que o mais importante é “ser sincero”. Parece que se formos honestos com as evidências da Inspiração, correremos o risco de desagradar à juventude ou ferir o gosto pessoal de alguém.


A MÚSICA SUPERIOR

Quero chamar a atenção para essas duas citações de Ellen White:

“O cântico é um ato de adoração. O coração deve sentir o espírito do cântico a fim de dar a este a expressão correta.” [3]

“Vi que todos devem cantar com o espírito e com entendimento também. Deus não Se agrada de barulho e desarmonia. O certo é-lhe sempre mais aprazível que o errado. E quanto mais perto puder chegar o povo de Deus do canto correto, hamonioso, tanto será Ele mais glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos impressionados favoravelmente.” [4]

O ponto mais claro afirmado nos dois textos é que existe uma forma correta de louvar a Deus. Em contrapartida, se há o correto, somos levados a crer que o que se afasta de seus princípios se torna incorreto.

Alguns poderiam afirmar “Música é questão de cultura”. É verdade que toda expressão artística (música, artesanato, artes plásticas, etc) parte de uma cultura. Mas os valores é que moldam a cultura. Se os princípios da Palavra de Deus moldam nosso coração, não nos afastaremos totalmente da nossa cultura de origem – no meu caso, e no da maioria dos leitores, a cultura brasileira – , mas ela será transformada, e seus aspectos contrários ao Evangelho serão sublimados. Isto é o que B.B. Beach quer dizer quando afirma que o culto é transcultural.[5]

Como cristãos, somos chamados a olhar para o modelo musical mais elevado, a música celestial. Em Testemenhos Seletos, volume I, a segunda citação vista acima, Ellen White fala que “[…] quanto mais puder chegar o povo de Deus do canto correto, harmonioso, tanto mais será Ele glorificado[…]”. Somos tomados por curiosidade a respeito do que seria exatamente este “canto correto”; felizmente, a autora se refere no parágrafo posterior à música executada nas cortes celestes, detalhando determinadas práticas dos músicos superiores:

“Foi-me mostrada a ordem, a perfeita ordem do Céu, e senti-me arrebatada ao escutar a música perfeita que ali há. Depois de sair da visão, o canto aqui me soou muito áspero e dissonante. Vi grupos de anjos que se achavam dispostos em quadrado, tendo cada um uma harpa de ouro. Na extremidade inferior dela havia um dispositivo para virar, fixar a harpa, ou mudar os tons. Seus dedos não corriam pelas cordas descuidosamente, mas faziam vibrar diferentes cordas para produzir diferentes acordes. Há um anjo que dirige sempre, o qual toca primeiro a harpa a fim de dar o tom, depois todos se ajuntam na majestosa e perfeita música do Céu. Ela é indescritível. É melodia celestial, divina, enquanto cada semblante reflete a imagem de Jesus, irradiando glória indizível.” [6]

Elementos como ordem, perícia técnica, harmonia e elevação podem ser claramente notados na descrição mencionada.[7] Na Bíblia, o cântico dos anjos é dirigido a Deus Pai, quando concluiu Sua Obra de Criação (Jó 38:7) e Deus Filho, quando concluiu a Sua Obra de Redenção (Apocalipse 5:12). Sempre uma obra divina serve de mote para que os anjos glorifiquem o Ser Superior, exaltando Seu poder criador, a beleza de Sua santidade, a inteireza de Sua justiça, enfim, aquilo que compõe a singularidade de Seu caráter. Adorar a Deus é reconhecer amorosamente aquilo que Ele é. A música cristã deve estar fundamentada neste princípio, não na exaltação performática das habilidades do músico.

DEVO OUVIR QUALQUER TIPO DE MÚSICA EM MINHA CASA?

É comum algumas pessoas argumentarem que a música cristã para ser ouvida dentro da igreja é de determinado tipo, enquanto há outra variedade de música cristã para ser ouvida fora da igreja. Penso que a música usada na devoção pessoal possa até ser distinta daquela que é executada num sábado de manhã, por exemplo, desde que ambas representem adequadamente o caráter de Deus.[8] A adoração não é apenas uma prática cúltica – é, antes de tudo, um estilo de vida. Eu adoro a Deus quando vivo de acordo com Sua vontade, porque a minha vida se torna um meio de exaltá-Lo pelo Seu caráter, reproduzido em mim.[9]

O apóstolo oferece esta norma para o viver cristão:

“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.” Filipenses 4:8

Se servimos a um Deus que é Santo, temos de oferecer-Lhe música compatível com o Seu caráter. A essência da santidade é ser separado (no caso de uma pessoa ou elemento cúltico, separado para uma finalidade; no caso de Deus, separado de tudo quanto existe, principalmente do mal e pecado). Uma música santa não pode ser identificada com ritmos populares (samba, rock, axé, hip hop, sertanejo, pop, entre outros), que transmitem sentimentos e ideais mundanos (como sensualidade, protesto, revolta, satisfação egoísta, etc.).

Sob este prisma, é lamentável quando músicos adventistas de grande talento, como José Barbalho, Novo Tom e Jader Santos, mencionando alguns exemplos, cantam, compõe e produzem Bossa Nova, uma linguagem musical fortemente influenciada pelo jazz americano![10]Como a santidade divina pode ser devidamente representada por um ritmo popular, também usado em canções seculares frívolas?

Mais triste é quando músicas seculares são regravadas em versões “cristianizadas”! O próprio Leonardo Gonçalves gravou Any Time (“Coração do Pai”, ainda quando estava no grupo Novo Tom) e I’m Your Angel (“Serei o seu anjo”, dueto com Tatiana Costa), canções pop românticas lançadas respectivamente por Bryan McNight e Celine Dion.

A prática de converter músicas seculares em canções gospel não pode ser encarada como natural. Isso porque a escolha da música pode ou nos rebaixar ou nos elevar. Karlheinz Stockhausen, expoente da música eletrônica, afirma que

“Ao revolucionar nossa maneira de ouvir, a música eletrônica pode revolucionar nossa maneira de viver.”[11]

O mesmo pode ser dito da música de modo geral – ela tem o poder de influenciar nossa cultura, comportamento, ideologia e sentimentos. Como pode a música mundana cumprir a função de elevar nossa mente a entreter comunhão com o Céu? Vale a pena nos lembrar de que o cristão é orientado pela Palavra de Deus e isto afeta à sua vida como um todo – inclusive o seu gosto musical. Deveríamos, portanto, criar cultura sadia, nobre, e não consumir a cultura que recende a valores mundanos.

“O modo como expressamos a imagem de Deus pode ser demonstrado pelas nossa criatividade e maneira de construir cultura.…

Se trabalhamos com a cabeça ou com as mãos, se somos analíticos ou artísticos, se trabalhamos com pessoas ou com coisas, em cada vocação somos criadores de cultura, oferecendo nosso trabalho como serviço a Deus”[12]

DA ÁFRICA PARA O GOSPEL BRASILEIRO

O teor da polêmica envolvendo o trabalho de Leonardo Gonçalves está no uso constante da técnica do melisma.[13] Não que haja qualquer problema ou proibição específica deste recurso; porém, da forma como é empregado por Leonardo e seus “genéricos”, fica patente a influência da música negra americana, tanto do lado gospel (Take 6, para citar uma influência visível[14]) quanto do secular (Mariah Carey, Bryan McKnight , entre outros).

A Black Music nasceu dos antigos Nigro-spirituals, canções folclóricas de fundo religioso, cantadas pelos escravos africanos nos Estados Unidos. Os spirituals não apenas deram origem ao gospel, mas a uma gama de estilos negros[15]:

“As woksongs [spirituals cantados durante as horas de trabalho escravo] crescentemente tomaram a forma de chamadas solo ou ‘holler’ (gritos), os quais eram comparativamente livres na forma. Chamadas deste tipo têm sido gravadas nas regiões das savanas da África Ocidental, por exemplo no Senegal, onde o cultivo em campos abertos é mais comum do que nas florestas. …
Conforme Frederick Law Olmsted (1853) era [o ‘holler’] um ‘grito musical longo, altissonante, subindo e descendo e atingindo o falsete’ […] Outros combinam versos improvisados expressando os pensamentos do cantor com sílabas elaboradas e o uso de melisma […] Semelhante em sentimento e expressão, o ‘holler’ pode ter sido o antecessor do blues!”
[16]Seria legítimo empregar elementos claramente identificados com a música secular para louvar a Deus?

Tratamos antes de mostrar como a música que produzimos, ouvimos, tocamos ou consumimos está ligada à adoração, uma vez que adoração não é um programa de fim de semana, mas um estilo de vida. Dentro dessa perspectiva, devo escolher uma música que seja compatível com o plano de Deus para mim. Uma música em que o efeito causado pelo emprego de uma técnica se torna mais importante do que a própria mensagem não pode ser tida como adequada. Especialmente no contexto de um culto, a apresentação musical não pode valorizar o intérprete ou sua execução. Perceba o tom de repreensão da serva do Senhor a seguir:

“Pode-se fazer grande aperfeiçoamento no canto. Pensam alguns que, quanto mais alto cantarem, tanto mais música fazem; barulho, porém, não é música. O bom canto é como a música dos pássaros - dominado e melodioso.
Tenho ouvido em algumas de nossas igrejas solos que eram de todo inadequados ao culto da casa do Senhor. As notas longamente puxadas e os sons peculiares, comuns no canto de óperas, não agradam aos anjos. Eles se deleitam em ouvir os simples cânticos de louvor entoados em tom natural. Os cânticos em que cada palavra é pronunciada claramente, em tom harmonioso, eles se unem a nós no cântico. Eles combinam o coro, entoado de coração, com o espírito e o entendimento.”
[17]

Tenho sincera dificuldade em harmonizar a descrição do ideal divino, conforme traçada no texto acima, com as apresentações musicais contemporâneas. Ao contrário: acredito que a música é barulhenta, alta (em tonalidade e volume), pouca dominada ou mesmo natural (afinal, os cantores tem se preocupado em “atingir” os limites de sua extensão vocal, muitas vezes gritando, literalmente) e tem freqüentemente abusado de modulações e “notas longamente puxadas”. [18]


MUDANÇA PARADIGMÁTICA A ESTE BORDO

Não conheço pessoalmente Leonardo Gonçalves e não tenho razões para criticar sua pessoa. O presente artigo tem a intenção de pensar as tendências da música gospel adventista, da qual Leonardo tem se destacado como um dos principais expoentes. Apesar de sua contribuição criativa em termos de letras bem pensadas, o estilo do cantor vem contribuindo para a tendência de relativizar a música cristã, minimizando o perigo de seu casamento com elementos da música secular (especialmente MPB e Black Music).

Tudo se torna ainda mais preocupante ao nos conscientizarmos de que estamos inseridos em um contexto profético; assim sendo, é capital que a música seja encarada com maior responsabilidade. Em visão, Ellen White disse o que aconteceria com a música nos tempos finais da história da igreja:

“As coisas que descrevestes como ocorrendo em Indiana, o Senhor revelou-me que haviam de ocorrer imediatamente antes da terminação da graça. Demonstrar-se-á tudo quanto é estranho. Haverá gritos com tambores, música e dança. Os sentidos dos seres racionais ficarão tão confundidos que não se pode confiar neles quanto a decisões retas. E isto será chamado operação do Espírito Santo.”[19]

Parece incrível, mas veremos em nossas igrejas uma operação maligna, desvirtuando o propósito do próprio culto, tornando-o em uma experiência emocionalmente histérica, bastante parecida com a que encontramos em alguns cultos pentecostais. Fico me indagando se a influência da Black Music, originária das tradições pagãs da África, aonde a experiência de transe faz parte do culto, não pode estar envolvida com a mudança de paradigma musical que já vem ocorrendo, e que levará à confusão dos “sentidos dos seres racionais”.

O USO RESPONSÁVEL DE NOSSOS TALENTOS

Penso que um ministério de música bem-sucedido deve se basear nas orientações divinas. Deus graciosamente deu aos adventistas princípios claros para orientar nossa música. Não basta alcançar qualidade técnica e produzir com competência. Se não somos pautados pelo que o Senhor diz, estamos fadados ao fracasso. Louvar é o contrário de dar um “show”, porque a ênfase não recai no artista, senão na adoração que o ministro/cantor oferece a Deus. Penso que devemos de ter critérios muito mais substanciosos para analisar o trabalho de qualquer artista cristão do que simplesmente dizer “tudo o que é novo, não presta!” O outro extremo, é sucumbirmos a modismos, descuidando da vigilância necessária no contexto profético em que vivemos.

Acredito que deve haver maior debate sobre esses assuntos, de forma sadia e equilibrada. Não devemos ter medo de falar sobre música – ou qualquer outro assunto –, mas buscar um sólido embasamento bíblico e do Espírito de Profecia. O apóstolo Paulo recomenda aos cristãos:

“E não vos embriagueis com vinho, no qual há devassidão, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós em salmos, hinos, e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração […]” Efésios 5:18 e 19.

Tendo em mente tudo o que foi discutido anteriormente, resta esperar para descobrir que tipo de tendência se refletirá no novo CD do cantor Leonardo Gonçalves e como isso afetará nossos jovens e os músicos locais.

Veja também: "Raiz Coral: Atração no casamento de vanessa camargo"

[1] http://www.supergospel.com.br/analises/analise.php?review=79
[2] Leonardo Gonçalves reconheceu a influência da MPB em seu CD “Poemas e Canções”, em recente entrevista ao site Super gospel. Veja o trecho:
“[Supergopel] A canção ‘Coração’ é uma regravação do clássico de João Alexandre. Percebo que suas músicas em alguns aspectos se assemelham às influências de MPB e bossa nova que estão presentes nas canções do João. Fale um pouco sobre isso.
[Leonardo Gonçalves]Nossa...! Que elogio! Com certeza quero seguir a linha dele... Ele em muitos sentidos é meu exemplo. Ele não canta apenas o que o seu público quer ouvir, mas o que todos nós precisamos ouvir, e infelizmente pagou e paga muito caro por isso. Ele é o músico evangélico mais completo que a gente tem, compõe, escreve, toca e canta em perfeita harmonia. Segundo os teólogos profeta é quem traz um recado de Deus para Seu povo. Profeta não é vidente que prevê o futuro. Moisés não falou nada do futuro e foi um dos maiores profetas que o mundo já viu. Segundo esta definição, João Alexandre é profeta, e, como muitos dos profetas bíblicos o foram, é um "outsider"; muitos não querem ouvir o recado que Deus quer nos dar através dele... Chega a ser engraçado, mas queria ver ele ganhar um troféu talento. O prêmio de melhor cd independente deveria ser dele toda vez em que lança um. No mínimo este!”
Lamentavelmente, Leonardo confunde-se ao definir o profeta bíblico, reduzindo seu papel; além de que, Moisés também se referiu ao futuro, sendo dois exemplos o proto-evangelho (Gênesis 3:15) e a sua previsão de um profeta que viria (Deuteronômio 15:18), ambos os textos messiânicos em sua essência. Para se ter acesso à entrevista completa: http://www.supergospel.com.br/entrevistas/entrevista.php?ent=52
[3]Ellen G. White, Edução, p. 167, grifos acrescentados
[4] Ellen G. White, Testemunhos Seletos,vol. I, p. 45, grifos acrescentados
[5] http://dialogue.adventist.org/articles/14_1_beach_p.htm . Beach fala de cinco aspectos do culto; para ele, o culto adventista é transcultural, contextual, contracultural, intercultural e multicultural.
[6] Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. I, idem.
[7] Cf. Isaías 6
[8] Ellen White repreende uma classe de jovens adventistas de Battle Creek, cidade de maior concentração adventista em sua época, por promoverem encontros e festas mundanas em seus lares, nos quais haviam músicas capazes de fazerem “os anjos observadores chorarem”. Leia Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 82 e 83. Podemos inferir que aonde o cristão esteja, a música tem de ser condizente com seus valores, o que não exclui a variedade musical de acordo com a ocasião.
[9]Cf.: Marvin L. Robertson, “A Escolha da Música é Realmente Importante?”, em
http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/meio/escolha_musica.htm
[10]“Assim como o jazz, que a influenciou, a Bossa Nova pode ser considerada uma linguagem, uma maneira de pensar e fazer música. Por ser uma concepção musical não redutível a um determinado gênero, comporta manifestações variadas: sambas (Tem dó, de Baden Powell e Vinícius de Moraes), marchas (Marcha da quarta-feira de cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes), valsas (Luiza, de Tom Jobim), serestas (O que tinha que ser, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes), beguines (Oba-lá-lá, de João Gilberto) etc.” “Bossa Nova: uma batida diferente” em http://www.dianagoulart.pro.br/english/artigos/bossa.htm
[11]Entrevista publicada em Veja, ano 34, n° 24, 20 de Junho de 2001.
[12] Nancy Pearcy, Verdade Absoluta – libertando o Cristianismo de seu cativeiro cultural, p. 52 e 63.
[13] “Melisma em música é a técnica de alterar a nota (sensação de freqüência) de uma sílaba de um texto enquanto ela está sendo cantada. A música cantada neste estilo é dita melismática, ao contrário de silábica, em que cada sílaba de texto é casada com uma única nota. A música das culturas antigas usavam técnicas melismáticas para atingir um estado hipnótico no ouvinte, útil para ritos místicos de iniciação (Mistérios Eleusinianos) e cultos religiosos. Esta qualidade ainda é encontrada na música contemporânea indu e muçulmana. Na música ocidental, o termo refere-se mais comumente ao Canto gregoriano, mas pode ser usado para descrever a música de qualquer gênero, incluindo o canto barroco e mais tarde o gospel. Geralmente, Aretha Franklin é considerada uma das melhores empregadoras modernas desta técnica.” http://www.babylon.com/definition/melisma/Portuguese
[14] Leonardo fez uma versão de uma das músicas do grupo em Poemas e Canções.
[15] Ver a interessante matéria da National Geographic sobre o Hip Hop e os variados gêneros da música negra, mês de Maio.
[16] Paul Oliver, Gospel Blues e Jazz, p. 44 e 45.
[17] Ellen G. White, Evangelismo, p. 510.
[18] Carlos A. Steger, no artigo “A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás” (http://www.musicaeadoracao.com.br/artigos/meio/musica_grande_conflito.htm), apresenta esta interessante tabela comparativa:
[19] Idem, Mensagens Escolhidas, Vol. II, p. 36 para entender melhor a situação em Indiana, ler o capítulo “A doutrina da carne Santa” e http://www.musicaeadoracao.com.br/egw/campal_indiana.htm

domingo, 17 de junho de 2007

O DILÚVIO INVADE AS TELAS DO CINEMA

Um político recém-eleito para o Congresso americano leva um susto quando um homem negro e de aparência austera se apresenta a ele como o próprio Deus, dando-lhe uma missão inacreditável: construir uma arca e se preparar para um iminente dilúvio.
Esse é o enredo do novo filme do diretor Tom Shadyac (de Patch Adams), intitulado Evan Almighty. Na verdade, é uma continuação de seu sucesso cinematográfico Todo Poderoso (comédia com Jim Carrey).

Essa continuação (com Steve Carell) também é definida como uma "comédia blockbuster", ou seja, um daqueles filmes milionários feitos pensando na bilheteria.
No filme anterior, podemos destacar alguma reflecção se insinuando em meio às situações hilárias e desconcertantes, próprias ao genêro do filme. Bruce Nolan (Carrey) logo percebe, depois de Deus (Morgan Freeman, também na continuação) lhe dar seu "emprego", que não é fácil arcar com as responsabilidades divinas. Principalmente porque Nolan é um sujeito egoísta e irresponsável.
É claro que o filme também possui muitos pontos objetáveis, a começar pelo próprio tom: a hilariedade não é a melhor forma de refletir sobre o caráter divino; assim, o filme se torna claramente desrespeitoso para com Deus.
Fico pensando se esse segundo filme não denegrirá o relato bíblico do dilúvio, fazendo a massa rir de uma história que o próprio Senhor usou para tipificar Sua vinda. Se desrespeitamos o dilúvio, porque nos preocuparíamos com a próxima punição universal?

quinta-feira, 14 de junho de 2007

COMPARTILHANDO AMOR NA TV


Segunda-feira, recebi o telefonema da Rosi Sandri, uma amiga e irmã em Cristo, perguntando se eu poderia participar de um programa de televisão. Na verdade, os produtores do Variedades com Você estavam procurando um casal para participar na edição do 12 de Junho, justamente o dia dos namorados. A Rosi, que esteve também no programa, disse-lhes que indicaria as pessoas; ela então me ligou para sondar se eu e minha esposa teríamos como ir.

Confesso que fiquei surpreso, mas aceitei. Poucos instantes depois, uma pessoa ligada à produção do Variedades com Você, a Adriana, me ligou, confirmando a minha presença.

No dia seguinte, no horário marcado, 13:45, eu e a Noribel chegamos à sede da TV Brasil Esperança, no Bairro São Vicente, em Itajaí, à Rua Estefano José Vanolli, nº 835. Um casal de amigos nos escoltou e permaneceu conosco no estúdio.

É claro que estávamos bem apreensivos - não é todo dia que falamos olhando para uma câmera! Mas antes mesmo de sermos entrevistados, conversamos com a apresentadora Rineda Miranda, pessoa simpaticíssima. Enquanto olhávamos no próprio estúdio o programa sendo gravado ao vivo, Deus foi tranquilizando a mim e à minha esposa.

Nossa conversa gravitou sobre como nos conhecemos (dê uma olhada na postagem anterior), namoro à distância, vida conjugal, etc. Rineda comentou sobre a superficialidade dos relacionamentos. A respeito disso, minha esposa expressou que temos de construir um compromisso para desenvolver uma relação sadia.
A apresentadora também destacou nosso comentário sobre o matrimônio ser um relacionamento a três: marido, esposa e Jesus.
De nossa parte, ficamos satisfeitos por Deus ter nos usado, falíveis como somos, para transmitir algo de importante na mídia. Longe de sermos um casal perfeito, agradecemos ao senhor a oportunidade desenhada a cada nascer do sol de sermos felizes juntos. E a despeitos de nossas imperfeições, temos conseguido nos completar.
Aliás, o amor é isso: é a restaurar no homem a imagem de Deus, torná-lo completo. Adão só percebeu-se completo, tanto como homem-indivíduo, quanto homem-gênero quando Deus criou Eva.
Obrigado à Rineda e à sua produção pela oportunidade. Para Noribel e para mim, foi um prazer compartilhar o que Deus faz a cada dia por nós e quer fazer por toda família.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

PARA CONHECER O AMOR VERDADEIRO, VÁ À FONTE


Em meu último ano de faculdade, meu estado era o de inquietação; afinal, em poucos meses eu seria chamado para servir a Deus em alguma parte do país. Em que ramo da Obra eu atuaria? Estaria eu preparado? Todas estas dúvidas zuniam dia após dia em meus ouvidos.
Apesar de estar sozinho, eu me preocupava muito mais com a minha missão. Mas minha vida estava nas mãos de um Deus que me conhece mais do eu mesmo. Ele sabia de minhas necessidades emocionais. Sabia, também, que eu necessitada de um, digamos, complemento feminino.
Naquele mesmo ano, uma jovem gaúcha havia vindo estudar no UNASP campus II. Nos conhecemos no refeitório e, dentro de poucas semanas, nos tornamos amigos. Conversávamos no refeitório, nos encontrávamos para ir aos cultos juntos. Ligávamos de nossos quartos para desejar boa noite um ao outro.
Apesar desse envolvimento, tínhamos muitas dúvidas. Eu, pessoalmente, não estava bem certo de que deveria tentar aquele relacionamento; afinal, em questão de meses eu me formaria! Como manteríamos o relacionamento?
Num domingo pela manhã, eu meditava sobre isto quando me dirigia do prédio da faculdade para o dormitório masculino. Estava mentalmente desistindo de iniciar uma relação que parecia sem futuro.
Em direção contrária a que eu caminhava vinha um grande amigo, Edivano, hoje em memória. Ele não sabia de minha situação. Ainda assim, ao se aproximar, ele disse para mim: "Douglas, seja o que for em que você estiver pensando, não desista!"
Aquilo causou-me uma forte impressão - era como se alguém lesse meus pensamentos. Perguntei a Edivano o porquê ele me dizia aquelas coisas. Entretanto, ele só pôde dizer que Deus lhe pedira para me dizer aquelas palavras. Desde então, tomei a decisão de me manter fiel ao que Deus falara através do edivano. Eu e Noribel estamos casados há um ano e meio, depois de três anos de namoro à distância.
Deus quer guiar a sua vida. Ele deseja tomar parte ativa em seus relacionamentos. Se você o permitir, Seu Espírito de amor o ensinará a amar seu cônjuge. Ele a guiará na escolha de um bom marido. Deus tem poder suficiente para restaurar um matrimônio manchado pelo adultério ou esgarçado pela rotina.
Você precisa de amor? Vá à fonte. Vá a Deus. Pois "Deus é amor; e quem permanece em amor, permanece em Deus, e Deus nele. " I João 4:16

domingo, 10 de junho de 2007

LOUVE PELA LIBERDADE


No editorial "Riscos do pensamento único" (Zero Hora, Domingo, 10 de Junho de 2007), sobre a ação de Hugo Chávez, presidente venezuelano, que não renovou a concessão a uma emissora de TV contrária ao seu governo, encontrei algo que me chamou a atenção: "[...] A condição democrática de um governo é medida pela tolerância e respeito à oposição, pois, como se sabe, o respeito à opinião alheia só é testada quando essa opinião é contrária à nossa." (p.20)


Acredito que o princípio tão claramente enunciado não se restringe à relação de determinado governo com seus opositores, mas a muitas situações cotidianas. Podemos discordar de outras opiniões - e em alguns casos, até devemos -, o que não nos dá o direito de discriminar, rebaixar ou lutar pelo silêncio de quem pensa diferente.


Uma das maiores alegrias que temos em nossa país, pela qual ainda devemos agradecer a Deus a cada nova brilhante manhã, é o desfrute da liberdade religiosa. Não sou pluralista - creio que há dezenas, centenas, milhares de pensamentos religiosos distorcidos. Sei que boa parte da população de nosso país não possui instrução religiosa adequada e, em virtude disso, acaba enganada por charlatães. Ao mesmo tempo, somos livres para pregar, combatendo dessa forma o erro com a única arma que o faz sucumbir: a verdade.


Usemos sabiamente essa liberdade que, não sabemos até quando, ainda temos em mãos.


quarta-feira, 6 de junho de 2007

A DESTRUIÇÃO DOS CANANEUS




Yahweh, o Deus Único, convocou Moisés para através dele libertar o Seu povo escravizado pela nação egípcia. A certa altura, Deus declarou ao Seu libertador: “Executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor”. (Ex 12:12 up).
O Êxodo, além de livramento, foi também uma auto-revelação divina e um juízo contra o Egito. De tão notórias, as pragas que deram a liberdade aos filhos de Jacó tornaram o nome de Deus difundido até entre os cananeus. Séculos mais tarde, uma prostituta chamada Raabe, disse aos espias israelitas que acabara de esconder dos agentes de segurança de Jericó:

Porque temos ouvido que o Senhor secou as águas do Mar Vermelho diante de vós, quando saíeis do Egito […] Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença; porque o Senhor, vosso Deus, é Deus em cima nos céus e embaixo da terra. (Js 2:10-11)

Se Raabe pintaria com cores vivas o pânico coletivo que a presença dos israelitas causaria nos habitantes de Canaã, podemos dizer que eles teriam razões de sobra para temerem! Deus ordenou a Seu povo que destruísse a todos aqueles povos de além do Jordão (Nm 33:51-52, 55-56).
A tarefa que os israelitas tinham diante de si não era como um acampamento de escoteiros! Nem todos os povos de Canaã seriam presas fáceis. Uma raça que destaque, quer por suas peculiaridades éticas, quer por sua imoralidade, era a dos anaquitas. O próprio Jeová preveniu Moisés a respeito dos anaquitas nestes termos:

Ouve, ó Israel, tu passas, hoje, o Jordão para entrares a possuir nações maiores e mais fortes do que tu; cidades grandes e amuralhadas até os céus; povo grande e alto, filhos dos anaquins, que tu conheces e de que já ouvistes: Quem poderá resistir aos filhos de Enaque? (Dt 9:1- 2).

Gigantes ou não, nenhum cananeu deveria sobreviver – Israel estava mais para o Arnold Schwarzenegger de O Exterminador do Futuro do que para Jim Caviezel de A Paixão de Cristo! Você pode até se perguntar: “Mas como um Deus de amor pode incumbir um povo de matar outro? Deus tem algum prazer na guerra e no sofrimento dos inocentes?”
Note que as leis bíblicas incluíam normas para a Guerra (ver Dt 20). Os povos pagãos deveriam ser consagrados à destruição total. Isto já fazia parte de uma cultura estabelecida; Daniel L. Gard nos lembra de que
[…] o texto bíblico retrata a prática da guerra e do genocídio no antigo Oriente Médio. O herem [termo técnico para a Guerra divinamente ordenada] não era uma prática exclusivamente israelita, visto que outros povos também o empregavam na destruição e consagração de seus inimigos a outros deuses.[1]

Os cananeus que estavam na mira de Israel não eram os coroinhas das montanhas! Os povos espalhados pela região eram proverbiais por sua maldade extrema. Deus explicara esse ponto a seu povo:

Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão de teu coração que entras a possuir a sua terra, mas pela maldade destas nações que o Senhor, teu Deus, as lança de ti. (Dt 9:5).
O Senhor fez com que os moradores dessas cidades teimassem em lutar contra o povo de Israel, para que, assim, fossem completamente destruídos e mortos sem dó nem piedade. O Senhor havia ordenado isso a Moisés. (Js 11:20, NTLH).

Deus permitiu que os cananeus mantivessem sua rejeição ao que conheciam a respeito Dele. Deus não os forçou a Lhe obedecerem, nem amenizou o Seu julgamento contra os crimes daquelas pessoas. As oportunidades, porém, eles tiveram. [2]
Se compararmos Deuteronômios 2:20 com Gênesis 14:5-6, veremos que as mesmas nações inter-relacionadas aparecem em ambos os textos: refains, zuzins (ou zazumins), emins e anaquitas. Essas nações de gigantes tiveram contato com Abraão. Logo, conheciam algo do Deus de Abraão.
No entanto, o testemunho de Abraão não foi suficiente para por fim à imoralidade de Sodoma e Gomorra, que terminaram julgadas por atingirem a medida de iniqüidade. Aos cananitas, haveria ainda um tempo de graça. Todavia, tanto Deus sabia que os habitantes de Canaã continuariam impenitentes, que fizera a promessa a Abraão que a sua descendência ocuparia a terra deles (Gn 15:20). Tremper Longman III argumenta:

Na verdade, do ponto de vista bíblico, Deus demonstrou grande paciência para com o povo que viveu na Palestina. A razão pela qual os descendentes de Abraão tiveram de esperar tanto tempo para entrar na terra prometida foi ‘porque a maldade dos amorreus ainda não atingiu a medida completa. [3]

Entretanto, tempo havia chegado! Existem fatos que nos ajudam a recordar o grau de depravação a que desceram as nações de gigantes e seus conterrâneos: Hebron, que Calebe conquistou, havia sido a cidade de Quiriate-Arbá (Jz 1:20); nesta região se encontrava o vale de hinom, lugar que por séculos abrigou o culto ao deus Moloque.
Moleque, como parece ter sido nome original daquela divindade, também é chamado de Milcon. Era o deus cananeu do fogo. No vale de Hinom crianças eram mortas por seus pais e seus corpos eram oferecidos nos braços incendiados de uma imagem de Moleque, que as consumia. Até mesmo o sábio rei Salomão participou desta forma aviltante de idolatria. Josias em seus dias proibiu os sacrifícios a Moleque no vale de Hinom. Isto sem contar os diversos santuários onde se praticava a prostituição cultual em nome de Baal, admitindo todas as perversidades sexuais possíveis!

Há um grau de iniquidade mais assinalado do qual não podem ir as nações sem enfrentar-se com os castigos de Deus. A profundidade da depravação e degeneração moral em que se tinham afundado os habitantes de Canaã no tempo de Moisés fica manifesto por sua literatura mitológico, posteriormente descoberta. Eles descrevem a seus deuses como seres cruéis e sedentos de sangue, que se matam e enganam mutuamente, e cuja imoralidade sobrepuja toda imaginação. A semelhança dos antediluvianos e dos sodomitas, os habitantes de Canaã, ao modo de seus deuses, estavam movidos pelas paixões mais vis. Encontramo-lhes sacrificando a seus filhos, adorando serpentes e praticando rituais imorais em seus templos. Seus santuários abrigavam a prostitutas profissionais e a homossexuais. Os amorreus, a mais poderosa das diversas tribos cananeias, aqui representam a todos os habitantes de Canaã (ver Js 24: 15; Jz 6: 10; etc.). [4]

Se uma mulher descobrisse um câncer de mama em estágio inicial, não iria operar antes que ele se “instalasse” irreversivelmente pelo corpo? Por mais traumática ou sofrível que uma cirurgia como essa venha a ser, perder uma mama e continuar vivo não é melhor do que definhar até a morte? Os cananeus eram o câncer. Deus os amava, mas deixá-los vivo seria o mesmo que contaminar a humanidade com a sua influência maléfica.
Pense em como o mundo não estaria pior se Deus não interviesse, periodicamente, refreando o pecado e punindo os culpados… Ainda assim, a nossa tendência é lamentar que tivesse de ser assim, ou, como expressou-se um estudioso “Gostaríamos de crer que tais coisas nunca aconteceram, ou se aconteceram, que elas nunca foram recomendadas por Deus.”[5]
De qualquer maneira, a luz da verdade é progressiva (2 Pe 1:19) e Deus teve de lidar com circunstâncias que exigiam medidas adequadas. Era primordial preservar o povo de um convívio venenoso, que impediria à nação de Israel o desenvolvimento suficiente, a fim de que através dela viesse o Messias.
É claro que Deus tinha de ser justo, punindo não apenas os pagãos que ameaçavam a espiritualidade e segurança de Israel, mas punindo até Seu próprio povo eleito, a medida em que eles também se separavam de Seus ideais.[6] Deus nunca permitiu que Seu povo fosse completamente aniquilado[7] – sempre haveria um remanescente, uma pequena parte do povo chamada a cumprir a obra daqueles que se afastaram do ideal; quando finalmente Israel falhou como nação, Deus convocou a Sua igreja, formada, a princípio, de um pequeno grupo de judeus.

Um dia finalmente, chegará a vez de Deus julgar o mundo; uns entrarão pelos portais eternos e avistarão seus lugares na mesa, nos quais tomarão parte na Ceia do Cordeiro; Outros, por desprezarem as mãos da graça estendida durante toda a existência terrena deles, serão exterminados como os cananitas; não pelo povo de Deus, porém pela Própria glória divina, que retribuirá a cada um segundo as suas obras.
Pais de família imorais. Sacerdotes mentirosos. Cristãos arrogantes. Universitários incrédulos. Religiosos hipócritas. Artistas depravados. É extensa a lista daqueles que fugirão da “ira do Cordeiro” (Ap 6:16), os mesmos que depois serão “lançados no lago de fogo e enxofre” (Ap 20:15). O câncer será então finalmente extirpado – e de uma vez por todas! A destruição dos cananeus era o ensaio da banda; o concerto será em breve. Enquanto isso, devemos aproveitar as oportunidades que Deus nos dá, como Longman afirmou:


[…] Na verdade, é por causa dessa graça [de Deus] que todos nós continuamos a respirar.… Diante disso, não devemos ficar espantados pelo fato de Deus ter ordenado a morte dos cananeus; ao contrários, devemos admirar-nos com o fato de ele permitir que alguém viva.… Em certo sentido, a destruição dos cananeus é uma prévia do juízo final.[8]

[1] Stanley Gundri (ed), Deus mandou matar? Quatro pontos de vista sobre o genocídio cananeu, 128.
[2] Ellen White, em Patriarcas e Profetas, 434-435, fala melhor dessa assunto. “Prova suficiente fora dada; eles poderiam ter conhecido a verdade, caso tivessem estado dispostos a volver de sua idolatria e licenciosidade. Mas rejeitaram a luz e apegaram-se a seus ídolos”, 434.
[3] Deus mandou matar? 181.
[4] Francis D. Nichols (ed.), Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, 16.
[5] Gordon J. Wenhan, Números, Introdução e Comentários, p. 219. C.f.: Deus mandou matar?, 121-122.
[6] Depois de citar diversos juízos contra o povo de Israel ou indivíduos que ocupavam posição de liderança, Gordon J. Wenhan assevera: “ Assim sendo, os mesmos princípios governam o julgamento de Israel bem como de outras nações. Todos pereceriam pelos seus pecados se não fosse a graça de Deus 9cf. Gn 6:7ss.; Am 1 – 2). Mas Israel foi punido em primeiro lugar, e depois foi a vez dos povos vizinhos.”, Opus. cit., 219.
[7] Deus mandou matar, 131-132.
[8] Opus. cit., 192, grifos do autor.


JESUS ENTENDE

O dono de uma livraria uma vez me contou sobre uma senhora muito irritada que entrou em sua loja, com passos fortes, carregando um livro meu intitulado Deus chegou mais perto (Editora Vida Cristã). Ela bateu o livro com toda força no balcão, disse umas poucas e boas sobre ele e depois gritou para que todo mundo nas proximidades ouvisse: "Meu Deus não tinha espinhas!"

Eu sei o parágrafo que fez com que saísse faísca da caixa de alta tensão em que ela se transformara:

Jesus talvez tenha tido espinhas. Ele, quem sabe, não tinha boa voz. Uma garota da mesma rua pode ter-se interessado por ele e vice-versa. É possível que seus joelhos fossem ossudos. Uma coisa é certa: Embora completamente divino, Ele era completa-mente humano.[1]

Entendo por que a mulher se irou. Posso entender seu desconforto. Sempre consertamos o rachado no vitral colorido, ou limpamos qualquer sujeira do altar. Há algo de seguro num Deus que nunca teve calos. Há algo de maravilhoso sobre um Deus que nunca sentiu dor. Há algo de majestoso num Deus que nunca ralou seu cotovelo.

Todavia, há algo de frio sobre um Deus que não pode compreender o que você e eu sentimos.

Se eu tivesse um instante com aquela senhora, perguntaria a ela o seguinte: "Jesus pode não ter tido espinhas, mas a senhora não queria que ele tivesse?"

Cada página dos evangelhos nos leva de volta a este princípio crucial: Deus sabe o que você está sentindo. Do funeral à fábrica, à frustração de uma agenda exigente. Jesus entende. Quando você diz a Deus que chegou no seu limite, ele sabe o que quer dizer. Quando balança a cabeça diante de prazos impossíveis, ele balança também. Quando seus planos são interrompidos por pessoas que têm outros planos, ele sente a mesma coisa. Ele esta lá e sabe como você se sente.

Antes de resumir nossa história desse dia estressante na vida de Jesus, deixe-me levar você para um outro dia, ainda mais recente.
Dia 15 de fevereiro de 1921, em Nova York, numa sala de cirurgia do Hospital Kane Summit, um médico estava executando uma apendicectomia.

Muitas vezes, os eventos que levam a uma cirurgia são rotineiros; o paciente reclama de dores abdominais agudas, o diagnóstico mostra claramente uma inflamação no apêndice. O médico Evan O'Neill Kane estava liderando essa cirurgia. Em sua distinta carreira médica de 37 anos, já tinha realizado quase 4 mil apendicectomias; por conseguinte, essa cirurgia seria mais uma rotineira, exceto por dois motivos.

A primeira novidade dessa operação? O uso de anestesia local na cirurgia principal. O doutor Kane era um combatente dos riscos da anestesia geral. Ele argumentava que uma aplicação local era mais segura. Muitos dos seus colegas concordavam com ele, a princípio, mas para concordarem na prática, teriam de ver a teoria sendo aplicada.

Dr. Kane estava a procura de um voluntário, um paciente que queria se submeter a uma cirurgia sob os efeitos de anestesia local. Não foi fácil encontrar um voluntário; muitas pessoas tremiam só de pensar que estariam conscientes durante a cirurgia. Outras tinham medo de que o efeito da anestesia terminasse logo.

Finalmente, apesar de tudo, Dr. Kane encontrou um candidato. Na terça-feira de manhã, 15 de fevereiro, a histórica operação aconteceu.

O paciente fora preparado e já colocado na sala de operações. Uma anestesia local fora aplicada. Do mesmo modo como já tinha feito milhares de vezes, Dr. Kane cortou os tecidos superficiais e localizou o apêndice, habilidosamente removeu o apêndice e concluiu a cirurgia. Durante o procedimento, o paciente reclamou apenas de desconfortos mínimos.

O voluntário foi levado para o pós-operatório e colocado sob cuidado hospitalar. Ele se recuperou rapidamente e foi dispensado dois dias depois.

Dr. Kane provou sua teoria. Graças à disposição de um voluntário corajoso, Kane demonstrou que a anestesia local era uma alternativa viável e até preferível.

No entanto, eu disse que havia dois fatos que diferenciaram essa cirurgia. Disse que a primeira foi o uso da anestesia local. A segunda foi o paciente: o candidato corajoso para a cirurgia do Dr. Kane foi o próprio Dr. Kane.

Para provar que estava certo, Dr. Kane operou a si mesmo![2]

Sábia decisão. O médico se tornou o paciente de modo a convencer outros pacientes a acreditarem no médico.
Compartilhei essa história com vários profissionais da saúde. Cada um me deu uma resposta: sobrancelhas altas, sorrisos suspeitos e palavras duvidosas: "Não dá para acreditar!"

Talvez não dê mesmo. Mas a história do médico que se tornou seu próprio paciente é poucas vezes comparada com a história do Deus que se tornou humano. Mas Jesus assim o fez para que acreditássemos que o Médico dos médicos sabe dos nossos sofrimentos; ele voluntariamente se tornou um de nós. Ele se colocou em nosso lugar e sofreu nossas dores e medos.

Rejeição? Ele a sentiu. Tentação? Também sabe do que se trata. Solidão? Ele também a experimentou. Morte? Provou dela.

E pressão? Poderia escrever um livro de sucesso sobre o assunto.
Por que fez isso? Por uma única razão: para que quando você sofresse, fosse até ele, seu pai e seu médico, e ele o curasse.





[1] Max Lucado, Deus chegou mais perto (Editora Vida Cristã, São Paulo, 1992), 24.

[2] More of Paul Harvey’s the Rest of the Story, ed. Paul Aurandt (New York: Bantam Books, 1980), 79, 80.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Conceito Cristão de História

Os anos anteriores a Cristo vão diminuindo dos mais altos valores até o número um, e inversamente, os anos posteriores a Cristo, são representados por números que vão crescendo de um até os mais altos valores. Este esquema corresponde, como veremos, ao conceito que os primeiros cristãos tinham do tempo e da História.

Em nossos dias, ninguém, por assim dizer, pensa que esta divisão de tempo, longe de ser apenas convenção fundada sobre a tradição cristã, pressupõe declarações fundamentais da Teologia do Novo Testamento relativas ao tempo. “História Bíblica” e História

Estudando, do ponto de vista da ciência histórica, o alcance de modificações políticas e culturais que o Cristianismo ocasionou, é certo que o historiador moderno pode, a rigor, reconhecer como legítima esta afirmação: O surgimento de Jesus de Nazaré deve ser considerado como uma curva decisiva da História. Ora, a afirmação teológica que está na base do sistema cronológico cristão ultrapassa de muito a constatação segundo a qual o Cristianismo trouxe mudanças históricas consideráveis. O que vai mais além, é que a Teologia afirma que a História, em seu conjunto, deve ser compreendida e julgada a partir desse acontecimento central. Constitui ele o sentido último e o critério de toda a História, tanto a que precedeu como a que segue. Esta pretensão histórica levantada em favor de curta atividade de um profeta galileu, que terminou supliciado sob um governador romano, está em flagrante contradição com o princípio mesmo da História, segundo a concebe o historiador moderno.

O cristianismo primitivo interessa-se realmente por uma série de eventos de uma natureza toda especial, sobrenatural, anteriores e posteriores ao ano 1 e que forma “a história bíblica”. Este todo orgânico, relacionado com o referido acontecimento central, recebe dele seu sentido e, por extensão, o sentido de toda História é iluminado por ele. Os primeiros cristãos pretendem lançar um julgamento sem apelo sobre os dados da história geral e sobre a totalidade dos acontecimentos do presente. A história “profana” deixa pois de ser, para os cristãos, profana.

Assim vemos que o problema da história bíblica apresenta-se como um problema teológico . De fato, esta história só adquire sentido ao aproximar, interpretar e ligar os acontecimentos à realidade história de Jesus, quando Jesus de Nazaré, realidade central da História, é reconhecido como a revelação absoluta de Deus aos homens. Sem este ato de fé, não somente não se pode dar valor normativo à história bíblica, mas esta última deve parecer necessariamente destituída de sentido. Inversamente mediante este ato de fé, não pode haver norma fora da história bíblica, designada desde então como história da revelação e da salvação. É sobre este ponto que aparece a relação estreita que existe entre a revelação cristã e a História; é aqui que reside, em última análise, o “caráter escandaloso” que a concepção do tempo e da história do cristianismo primitivo assume não somente para o historiador, mas para todo pensamento “moderno”, incluso o pensamento teológico. Deus revela-se de um modo todo especial no seio de uma história estritamente limitada, mas contínua, e nela opera, de um modo definitivo, a “salvação”. O pensador profano julga a História em nome de um princípio, de uma idéia filosófica, fora da história. O pensador cristão o faz em nome de um acontecimento particular, específico, Jesus. A norma de julgamento da História é também histórica.

“História Bíblica” e Teologia
Constataremos que os primeiros cristãos colocam na mesma perspectiva cristocêntrica da história bíblica, isto é, sobre a mesma linha temporal – linha de Cristo – a criação operada por Deus e a consumação de tudo em Deus, da mesma forma que os acontecimentos da história de Israel, os atos de Jesus, dos apóstolos e da Igreja primitiva. O que tão violentamente escandaliza o pensamento moderno, entre as pretensões da revelação cristã, é esta extensão cósmica da linha histórica, a saber, o fato de que toda teologia cristã é, em sua essência, uma “história bíblica”.

É sobre uma linha reta traçada no seio do tempo comum que Deus se revela e é deste lugar que dirige a história em seu conjunto, mas ainda todos acontecimentos da natureza. Não há lugar aqui para especulações acerca de Deus independentes do tempo e da História. É neste sentido que se deve compreender a célebre frase de Pascal: “Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, não dos sábios”.

Esta teologia leva até suas últimas conseqüências a afirmação de que é da essência de Deus revelar-se, e que sua revelação, sua “Palavra”, é um ato: “Sem esta Palavra nada foi feito” (João 1.3).

A Palavra, o Logos, é Deus no ato de sua revelação. E os atos de Deus não se revelam aos homens em nenhum lugar tão concretamente como na História, que do ponto de vista teológico, representa, em sua essência íntima, as relações que existem entre Deus e os homens. A teologia dos primeiros cristãos afirma, pois, que o ponto culminante e central de toda a revelação é o fato de que Deus por sua Palavra, por seu Logos, entrou uma só vez na história e tão completamente que se pode datar esse surgimento único, como qualquer outro acontecimento histórico. Esta mesma Palavra de Deus, que se manifesta como ato de criação e que se manifestará no fim dos tempos na nova criação “foi feita carne” (Jo 1.14) em Jesus Cristo, o que quer dizer que em sua totalidade tornou-se história.

Por conseguinte, onde quer que a Palavra de Deus se revele e onde quer que ainda venha a revelar-se desde a criação até o fim dos tempos, esta “Palavra” que outrora foi feita carne em um momento determinado, deve necessariamente estar agindo.

Cristo é, pois, o mediador de tudo o que existe, tanto na ordem cósmica, quanto na histórica. Segundo a concepção dos primeiros cristãos, toda a vez que se trata do ato pelo qual Deus se revela – e a criação é um deles, de primeira importância – diz respeito a Cristo, a este mesmo Cristo cuja encarnação pode ser datada. Sobre este ponto, vemos com muita clareza que a mensagem contida nos primeiros escritos cristãos é a revelação da ação de Deus em Jesus Cristo, isto é, uma história cristocêntrica contínua.

Assim, quando os que estudam a “teologia do Novo Testamento”, tomam como princípio de divisão a história de salvação, estão agindo em perfeito acordo com a intenção fundamental dos autores do Novo Testamento. Qualquer outro princípio possibilita o risco de introduzir no Novo Testamento alguns modos de pensar especulativos estranhos ao cristianismo primitivo e fazer desaparecer seu caráter todo ele orientado em direção à história da revelação e da salvação. Este perigo fez-se sentir extremamente cedo: sob a influência do pensamento especulativo grego, nas discussões dogmáticas da Igreja antiga, já se relega a um plano inferior a concepção central que os primeiros cristãos tinham do tempo da história.

Logo, as condições fundamentais de toda a Teologia do Novo Testamento residem no conceito neotestamentário do tempo e da História.

“A história bíblica”, segundo o que acabamos de dizer, pode chamar-se também de “história da revelação” ou “história da salvação”. Ela está no coração mesmo de toda a Teologia do Novo Testamento. Opositores do cristianismo reconheceram este fato às vezes com mais exatidão e nitidez do que muitos teólogos cristãos. De fato, não é possível, em sã consciência, renunciar a toda a história da salvação, tal qual nos é oferecida no Novo Testamento e pretender-se ainda ligado à fé cristã.

Sabemos que o testemunho da fé que encontra sua expressão na tradição evangélica, têm precisamente por objeto a própria história; este testemunho atesta, de fato, que Jesus de Nazaré é realmente o Cristo de Israel.

No Novo Testamento a noção de tempo é linear e retilínea, enquanto que os gregos têm uma noção cíclica do tempo. Na mente dos primeiros cristãos, a revelação e salvação “operam-se” realmente no curso do tempo, enquanto outras metafísicas colocam sistematicamente a redenção no “além”.

A termilonogia relacionada com o tempo no Novo Testamento
Para sua fé e pensamento, os primeiros cristãos têm como ponto de partida, não a oposição espacial: “aqui em baixo”, “lá em cima”, mas a distinção temporal entre o passado, o presente e o porvir. Isto não significa que a oposição mais de caráter especial, entre o visível e o invisível seja inexistente. O essencial não é a oposição especial, mas a distinção entre os tempos operada pela fé. Ver a definição célebre em Hebreus (11.1) da fé em que a primeira característica é “uma firme certeza das coisas que se esperam” – portanto do que há de vir.

O caráter nitidamente temporal de todas as afirmações da fé no Novo Testamento está ligado à importância votada ao tempo pelo pensamento judaico. No Novo Testamento toda a revelação encontra-se essencialmente arraigada no tempo. Não se trata, portanto simplesmente de uma sobrevivência judaica, mas do desenvolvimento total de uma perspectiva que os judeus tinham esboçado. A terminologia do Novo Testamento é eloqüente a este respeito. Encontramos nele, com uma freqüência particular e em passagens essenciais, todas as expressões temporais de que a língua grega dispõe, como os termos seguintes: dia, hora, momento, tempo, prazo, século cósmico limitado, séculos cósmicos eternos ( h.me,ra , w`ra , kairo,s , krono,s , aivw,n , aivwnes ). Em certas passagens palavras como “agora” ( nu,n ) e “hoje” ( sh,mepon ) seu caráter temporal assume um valor eminentemente teológico.

As duas noções que designam com mais nitidez a originalidade da concepção que os primeiros cristãos tinham do tempo, são as que as duas palavras kairós, oi e aion, es exprimem. O que caracteriza o emprego de kairós é que designa no tempo um momento determinado por seu conteúdo , enquanto que aión marca uma duração, um espaço de tempo , limitado ou não. Cada um destes dois termos serve para definir de um modo particular, o que é invadido pela história da salvação.

“Kairós” – Kairós no uso profano significa a ocasião particularmente propícia a um empreendimento, o momento de que se fala com muita antecedência sem conhecer-lhe a eclosão, a data que corresponde ao que se chama, por exemplo, na linguagem moderna, o “dia V”, a “hora H”. É geralmente em virtude de considerações humanas que um momento nos parece particularmente próprio para execução de tal ou tal plano e que se torna kairós .

No Novo Testamento o uso deste termo aplicado à história da salvação, permanece o mesmo. Porém com esta reserva: não mais estimativas humanas, é um decreto divino que faz de tal ou tal data um kairós e isto em vista da realização do plano divino da salvação. É porque este plano está ligado a kairós, a momentos escolhidos por Deus, que é uma história da salvação. Não são todas as partes da linha contínua do tempo que formam a história da salvação propriamente dita, mas sim este kairói, estes pontos se faz pela “própria autoridade de Deus” (At 1.7). Não é dado aos homens, nem mesmo aos apóstolos, conhecer a data dos kairói que estão por vir. O Apocalipse designa o momento decisivo do fim do mundo pelo termo kairós e diz dele que está “próximo”, no sentido próprio em que os sinóticos proclamam a proximidade do Reino de Deus. Esta mesma acepção escatológica da palavra kairós aparece ainda em Lucas 19.44; 21.8; 1Pe 1.5.
A relação entre kairói do futuro com um kairós já sobrevindo sobre a mesma linha de salvação, é nos mostrado em 1Tm 2.6 (notar ainda Tt 1.3; 1Pe 1.11; 1Tm 6.15).

Não foi apenas após a morte de Cristo que, em meio à fé comunitária a obra do Cristo encarnado é elevada à dignidade de kairós central do Plano divino da salvação. Ao contrário, Jesus ele mesmo, segundo o testemunho dos sinóticos, já aponta para a sua paixão como seu kairós. Esta é a tradução seguramente certa do termo aramaico usado por Jesus. Assim na véspera do último jantar, a senha que entrega aos discípulos que envia, é: “O mestre manda dizer: meu kairós está próximo (Mt 26.18). Isto lembra sua primeira prédica: “O Reino de Deus aproximou-se”; o kairós pelo qual Jesus designa a consumação de sua obra reveste-se aqui de uma importância absolutamente decisiva por entre os acontecimentos que devem dar em resultado o reino de Deus. Quanto a Cristo, o kairós decisivo de sua morte e ressurreição, e através disso, da vitória que obrou sobre o mundo dos demônios, já se acha anunciada em kairói anteriores de sua própria existência terrestre. É o caso de suas curas quando o reino de Deus faz irrupção no mundo e é sentido das palavras do endemoninhado em Mt 8.29.

Em nenhum outro lugar o sentido que o Novo Testamento dá ao termo kairós se acha melhor expresso do que nas passagens de Jo 7.3ss. Jesus diz aos incrédulos: “meu kairós (para subir a Jerusalém) ainda não chegou; para vós o kairós é sempre favorável” (v. 6). Isto quer dizer: para vós não há kairós, no sentido que este termo possui em relação com a história da salvação, não há momento particularmente escolhido por Deus e fixados de sua própria autoridade, em função de seu plano de salvação. Cristo situa-se no próprio centro do plano divino de salvação, cujos kairói são exatamente fixados por Deus.

Mas para o crente existe também no presente da comunidade cristã primitiva um kairós divino, fundado sobre o fato da vinda de Cristo (Cl 4.5 e Ef 5.16). Nestes versículos trata-se do kairós presente cuja significação no conjunto do plano da salvação é conhecido do crente. Mas este compreende o plano da salvação graças ao kairós passado, o da morte e da ressurreição do Cristo.

Vemos assim que no passado, como no presente e no porvir, existem kairói divinos distintos uns dos outros. Sua reunião forma a linha de salvação.

Estes momentos distintos de operação de Deus são descritos por outras palavras, além do kairós, como “dia” (hemera), “hora” (hóra); ver Mc 13.32; Lc 13.32. Ver o emprego semelhante do termo temporal “agora” (nûm) para indicar que o século apostólico faz parte integrante da história da salvação e se encontra diferenciado de todos os demais tempos: Cl 1.26; Ef 3.5; Rm 16.23ss.

Aiôn – Se os termos estudados até aqui e agrupados em redor da noção central kairós salientam o significado particular de cada um dos momentos essenciais da história, uma outra expressão, extremamente corrente na língua do Novo Testamento, a de aiôn serve para expressar a noção de extensão do tempo, de duração. (Por exceção pode ter o significado de “mundo” como em Hb 1.2).

Os usos diversos do termo aiôn no Novo Testamento. são extremamente instrutivos e ajuda-nos a compreender a concepção que se tinha do tempo na época do cristianismo primitivo. Percebemos, de fato, que o mesmo termo serve para designar, seja um espaço de tempo delimitado com precisão , seja uma duração ilimitada e incalculável que traduzimos por “eternidade”.

Assim é que a mesma expressão que designa o aiôn presente qualificado de “mau” (Gl 1.14), serve de atributo a Deus, o “rei dos aiôns” (1Tm 1.17).

É preciso constatar que em se baseando no uso que é feito no Novo Testamento do termo aiôn, não se tem o direito de interpretar a noção de eternidade no sentido de filosofia platônica ou moderna (oposta ao tempo), mas que é preciso conceber a eternidade como um tempo infinito. Este sentido é nos indicado pelo uso preferido da palavra no plural (aiônes). A diferença entre o tempo e a eternidade reside em que o segundo apresenta a ausência de limite. A expressão que indica a eternidade antes da criação é “ek toû aiônos” ( ek to û aiw/nos ) e para a eternidade depois do fim do mundo é: “aiôn méllon” ( aiw.n me,llwn ). A eternidade é, pois, designada pelo termo aiôn.

Falta ainda compreender a acepção do termo aiôn, que também é usado para expressar a divisão do tempo, estabelecida por Deus e limitada no passado e no futuro, que “este aiôn” ou “aiôn presente” o qual é mau devido ao acontecimento inicial: a queda. Em contraposição com este, o aiôn futuro , o aiôn méllon caracteriza-se pela vitória sobre os poderios dos maus.

Em resumo, diremos que esta palavra, em sua acepção temporal, no singular ou no plural, tende a designar uma duração mais ou menos longa que pode ser:

1) O tempo em sua extensão total , infinita, ilimitada, nas duas direções, isto é, “a eternidade”.

2) O tempo limitado nas duas direções, enquadrado pela criação e pelo fim do mundo e que, por conseguinte, é idêntico a “ este aiôn e aiôn presentes ”.

3) Os tempos limitados em uma direção e ilimitados na outra.

a) evk tou aivwnos (ek tou aiônes) – tempo anterior à criação que lhe é limite e fim; por outro lado é infinito em retroceder para o passado e nesta acepção somente é que é eterno.

b) aiw.n me,llwn (aiôn méllon) – o tempo que se estende do tempo presente; este começa com o que se chama o fim do mundo. Tem pois um limite. É infinito em direção ao porvir, eterno neste sentido apenas.

Esta vista esquemática mostra bem que unicamente esta concepção retilínea ingênua do tempo encarado como uma linha reta e interrompida dos aiônes que se situam os kairoi fixados por Deus. Assim Deus determina isoladamente os kairoi da história da salvação, estabelece igualmente, de conformidade com seu plano a distinção entre os aiônes, como temos visto.

Khronos – Nenhuma das expressões servindo para designar o tempo no Novo Testamento tem por objeto o tempo concebido como uma abstração. Isto também é válido para o termo khrónos. Tem uma relação concreta com a história da salvação.

A terminologia do Novo Testamento nos ensina que para os primeiros cristãos o tempo, em sua extensão infinita, como em suas épocas e em seus pontos precisos, começa com Deus e que é dominado por Ele. O tempo é uma condição necessária e natural de todo o ato divino. É por isso que os autores do Novo Testamento fazem tão largo uso da terminologia atinente ao tempo.
Contraste entre concepção bíblica e concepção grega do tempo
O tempo não é algo que se opunha a Deus; não é contrário à “eternidade” quanto à sua natureza, mas simplesmente quanto a seus limites. Tem começo e tem fim.

Essa concepção cristã se opõe à concepção grega, vem como a dos racionalistas de todos os tempos. Estes não afirmam nunca, começo nem fim do tempo. Negam implicitamente tanto a criação quanto o fim do mundo. Tempo se sucede em círculo eterno. Não há pois, senão “eterno retorno”.

Que é Deus? Que é eternidade? Algo de diferente em espécie.

Tempo e Eternidade
Vejamos o que Cullmann diz, textualmente: “Para o pensamento grego, formulado por Platão, há entre o tempo e a eternidade uma diferença qualitativa que expressa de modo exaustivo, em se falando de oposição entre limitado e ilimitado. A eternidade não é para Platão, o tempo prolongado ao infinito mas algo de completamente diverso: a ausência de tempo. O tempo não é para ele senão a imagem da eternidade assim concebida”. É o que se nota repontando sempre em conceitos alheios à fé.

Embora a Bíblia se refira à pré-criação e ao post-parousia, o faz de certo modo à margem (veja os textos: Jo 1.1; 17.17; 1Co 2.6; Cl 1.26; Ef 3.11; Hb 4.9). A preocupação fundamental da Escritura é a respeito de sua revelação no tempo. A negação fundamental do racionalismo de uma relação de tempo e eternidade (homem e Deus) é a afirmação fundamental da Bíblia (Encarnação e Revelação). “O fato de que todas as afirmações bíblicas se refiram à revelação, à ação de Deus, nos impede de procurar compreender a concepção bíblica de tempo – tanto no Velho como no Novo Testamento – falando de uma história de revelação, notadamente duma especulação de um repouso de Deus. É por esta razão que os primeiros cristãos não puderam representar a eternidade senão como um tempo prolongado ao infinito”.

Soberania de Deus sobre o tempo
Para o cristão a conclusão essencial, nesta matéria, é que Deus é Senhor do tempo. Não é realidade à parte. Deus penetra e pervaga o tempo, a História. É seu começo, é seu centro, é seu fim. Criação, Israel, Cruz, Igreja, Consumação, são todos atos divinos. Veja os seguintes textos: Sl 90.1-4; 2Pe 3.8; 1Tm 1.17 e também At 2.17; Rm 9-11; Gl 3.6-4.7; Rm 5.12ss. A ação de Deus sobre o tempo se exerce por Cristo: Jo 17.24; 1Pe 1.20; Jo 1.1; Hb 1.10; 1Co 8.6; Cl 1.16; Mt 28.18; Fp 2.10, etc.

Notemos que deste conceito teremos de retirar importantes conseqüências. Vê-se que a concepção bíblica de História é:

a) completamente afilosófica, contrária pois, ao pensamento grego e aos seus continuadores;

b) completamente cristocêntrica. A própria escatologia, isto é, a vitória final do Reino de Deus está fundamentada na cruz, a batalha decisiva. A posição cristocêntrica que acaba de ser exposta é a chave para a compreensão de toda a teologia.