terça-feira, 27 de maio de 2008

“O PASTOR COMO ALGUÉM QUE DESPERTA VOCAÇÕES: O EXEMPLO DE LUTERO”



A maioria dos autores reconhece a Reforma Protestante como um movimento primeiramente religioso. Quando Martinho Lutero, que lecionava em Witemberg, afixou 95 tese contra as indulgências papais, em 31 de Outubro de 1517, iniciou-se um despertamento bíblico, ao mesmo tempo que uma controvérsia entre a posição tradicional mantida pelo Catolicismo e o que aquele monge alemão ensinava. “Basicamente […] até os adversários romanos e alemães cultos de Lutero poderiam ter visto onde ele estava certo, se não tivessem colocado os interesses do papa acima da compreensão das escrituras.” [1] Apesar de essencialmente religiosa, a mensagem de Lutero ocasionou uma nova forma de se entender o plano geral de Deus para o homem nesta vida.
Basta nos lembrarmos de que a sociedade medieval, a partir de sua estrutura eclesiástica, separa o clero dos leigos, discriminando os últimos, como se fossem “cristãos de segunda classe.” Lutero se levantou contra essa distorção:

[…] todos os cristãos são verdadeiramente de estado ‘clerical’, isto é, espiritual, e não há qualquer diferença entre eles, a não ser, exclusivamente, por força do seu ofício, conforme Paulo diz em 1 Coríntios 12.12ss: todos somos um corpo, mas cada membro tem sua própria função, com a qual serve ao outro: tudo isso faz com que tenhamos um batismo, um evangelho, uma fé e sejamos cristãos iguais, porque batismo, evangelho e fé é que exclusivamente tornam as pessoas espirituais e cristãs. [2]

Max Weber, em seu trabalho clássico sobre a relação entre a mentalidade protestante e o surgimento do capitalismo, apresenta algumas das consequências das declarações feitas pela pena de Lutero. Para Weber, a Reforma tinha como resultado uma “regulamentação levada a sério” no que diz respeito à “conduta de vida como um todo, que penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública até os limites do concebível.” Essa nova visão afetou, inclusive, a maneira de enxergar o trabalho: surgiu a ideia de trabalho no sentido de “missão”, “vocação profissional”, “desígnio divino” [3] Tal visão, baseada em uma compreensão bíblica do mundo, conferiu dignidade à toda profissão. Como diz Schaeffer: “A vocação de um comerciante ou de uma dona de casa honesta passava [a partir da Reforma] a ser vista como tão digna quanto a do rei.” [4]
No campo cultural, a Bíblia tornou-se “o principal sustentáculo da cultura popular”, passando a influenciar a “forma de pensar do povo, inclusive das pessoas não religiosas.” [5] Assim é justo que Schaeffer faça distinção entre autores cristãos em dois sentidos: (1) o convencional (ou seja, aquele que aceitou a Cristo e suas doutrinas) e (2) quem “vive dentro dos limites do consenso gerado pelo Cristianismo. [6] Em várias áreas do conhecimento, sentiu-se o influxo da Reforma: nas Ciências, Artes Plásticas, Música, Política, Literatura, etc.
O pensamento protestante é herdeiro da tendência luterana de considerar o trabalho não meramente como um “meio de vida”, porém tido por digno aos olhos de Deus. “Nos capítulos iniciais de Gênesis, aprendemos que os seres humanos foram criados à imagem de Deus, para refletir o seu caráter, portanto, somos convocados para refletir a sua atividade criativa através da nossa própria criatividade – cultivando o mundo, extraindo o seu potencial e dando-lhe forma. Todo trabalho tem dignidade, como uma expressão da imagem divina.”
[7] Ellen White pinta, com cores vivas, a importância do trabalho:

[...] todo serviço que fazemos e que é necessário ser feito, seja lavar a louça, pôr a mesa, cuidar de um doente, cozinhar ou lavar, é de importância moral [...] As humildes tarefas que estão diante de nós, devem ser executadas por alguém; e os que as fazem devem sentir estarem realizando uma obra necessária e honrosa, e que em sua missão, por humilde que seja, estão fazendo uma obra de Deus, tão certo como o estava Gabriel, quando enviado aos profetas. Todos, em suas respectivas esferas, estão trabalhando por sua ordem. As mulheres em seu lar, cumprindo os simples deveres da vida que precisam ser atendidos, podem e devem manifestar fidelidade, obediência e amor tão sinceros como os anjos em sua esfera. A conformidade com a vontade de Deus torna qualquer obra que precise ser feita uma tarefa honrosa. [8]

Cada pastor precisa fornecer aos membros de sua igreja de que o trabalho (mesmo no que se refere ao trabalho secular) é sagrado e deve ser executado dentro de uma perspectiva cristã, contribuindo para representar a criatividade com a qual Deus nos dotou e redundar na glória do Senhor. Em tudo quanto fizermos através de nossas mãos, devemos representar Aquele que nos criou, redimiu e em breve virá nos resgatar, influenciando à Sociedade ao redor – eis uma forma de atuar como “sal da terra” (Mateus 5:13).

[1] Hans Küng. A igreja católica. Rio de Janeiro, Objetiva: 2002, 166.
[2] Martinho Lutero. “À nobreza cristã de nação alemã, acerca do melhoramento do estado cristão”, in Pelo Evangelho de Cristo.  Porto Alegre, Concórdia editora Ltda; São Leopoldo: Editora Sinodal, 1984, 80.
[3] Max Weber. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo, Companhia das Letras: 2005, 30, 72,73, 77. Edição de Antônio Flávio Pierucci, 3ª reimpressão.
[4] Francis Schaeffer. Como viveremos? São Paulo, Editora Cultura Cristã: 2003, 52-53.
[5] Felipe Fernández-Arnesto, Derek Wilson. Reforma: o Cristianismo e o mundo 1500-2000. Rio de Janeiro; São Paulo, Editora Record: 1997, 66.
[7] Charles Colson, Nancy Pearcey. O cristão na cultura de hoje: desenvolvendo uma visão de mundo autenticamente cristã. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembleias de Deus: 2006, 174-175. Vale notarmos que a autora Nancy Pearcey é luterana.

[8] Ellen White. Testemunhos Seletos, vol. 1. Tatuí: 2006, 297-298.

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