terça-feira, 21 de outubro de 2008

MAIS FILOSOFIA, MENOS RELIGIÃO - O HUMANISMO DE LUC FERRY TEM TODAS AS RESPOSTAS?

Alguém poderia apresentar Alexandre Nardoni e Anna Paula Jatobá ao filósofo?

Chamamos de idealistas aqueles que aspiram a uma sociedade utópica, acreditando na boa vontade inerente aos homens. Talvez a caracterização sirva como uma luva para o filósofo e Best-seller Luc Ferry. Ele é o entrevistado da revista Veja nesta semana.[1] Em seu livro “Famílias, Amo Vocês”, que chegou ao Brasil, o autor francês propõe que a família preencha na atualidade o requisito de único bem sagrado. Apesar de interessante, a definição do autor sobre o que seja sagrado (“algo pelo qual vale a pena morrer”) tem sua aplicação restringida às relações familiares. Para Ferry, ocorreu a sacralização do gênero humano, porque todos nós “arriscaríamos a vida” por “aqueles próximos de nós: a família, os amigos e, em um número bem menor, pessoas mais distantes que nos causam grande comoção”, ao contrário de outros tempos, quando se dava a vida em nome da Religião ou do Estado. "[…]Os filhos se tornaram o principal canal para o homem tentar transcender espiritualmente", complementa o filósofo.

Eu não sei em que mundo Ferry pensa que vive. Talvez ele sequer tenha ouvido que exista um Alexandre Nardoni ou uma Anna Paula Jatobá, capazes de fazer o que fizeram com uma filha/enteada. E eles não são os únicos. O números de casos envolvendo violência que ocorrem no seio familiar são alarmantes. Conforme apontou a Organização Mundial da Saúde (em 2001), “de 10% a 34% das mulheres do mundo já foram agredidas por seus parceiros […] 30% das primeiras experiências sexuais das mulheres foram forçadas; 52% das mulheres são alvo de assédio sexual. Isso tudo, sem contar o número de homicídios praticados pelo marido ou companheiro sob a alegação de legítima defesa da honra.”[2]

Quando pensamos em Brasil, a gravidade da situação não é menos preocupante. Lia Zanotta, antropóloga da Universidade de Brasília (UnB), pondera que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que prevê maior rigor para agressões contra mulheres, ainda não é levada a sério nos tribunais.[3] Como se vê, o filósofo desconsidera que alguns morrem pela família, mas outros também matam a família. Isto sem levar em conta o divórcio. O IBGE indica que somente aqui no Brasil, no decênio de 1993 a 2003, “o volume de separações judiciais e de divórcios cresceu 17,8% e 44%”[4] Pense então nos casos de Pedofilia.

Claro que Luc Ferry tenta arrazoar. “Quem alardeia o declínio da instituição familiar esquece que o divórcio foi inventado junto com o casamento por amor. A partir do momento em que a união entre duas pessoas se ampara apenas na lógica do sentimento, basta que o amor se apague para que outro amor se imponha. A família burguesa é aparentemente estável, mas na maioria dos casos está carcomida por infelicidades. Ela é inseparável de outra instituição: a infidelidade. Muitas mulheres sacrificam a profissão e, em seguida, a vida afetiva por um marido que as engana.”

Este tipo de argumentação, cujas raízes remontam aos primeiros filósofos da Era Moderna, é falho no sentido de atribuir a nossa época a invenção do humanitarismo. Observe o conceito de relacionamento expresso neste trecho escrito em cc. 1.500 a.C. “Se um homem tiver se casado recentemente, não será enviado à guerra, nem assumirá nenhum compromisso público. Durante um ano estará livre para ficar em casa e fazer feliz a mulher com quem se casou.” Dt. 24:5, NVI. Um intelectual sincero, considerando um texto como este, ou analizando o capítulo 6 de Efésios não chegará à conclusão equivocada de que a Modernidade detém a patente do amor no relacionamento conjugal.

Não obstante, há pontos muito positivos na entrevista. Ferry faz declarações lúcidas acerca do exacerbado consumismo pós-moderno, que faz com que “o movimento das sociedades não” se inspire “em ideais superiores em termos de civilização.” Os objetivos passam a girar em torno da aquisição de bens materiais de forma irrefreável. “[…]O êxito pessoal é o que importa. Precisamos ter poder, dinheiro, um carro novo, uma mulher nova, os filhos mais bonitos, tudo para conseguir o reconhecimento alheio e nos sentir superiores aos outros”, sentencia o autor de “Famílias, Amo Vocês”, em um dos pontos altos da matéria.

Infelizmente, dentro da perspectiva do autor, os problemas claramente levantados encontram uma pretensa solução na Filosofia, definidada acuradamente como concorrentes da Religião. ”[…] A diferença entre religião e filosofia”, argumenta Luc Ferry, “é que a primeira tenta encontrar a paz interior e a felicidade através da fé, enquanto a outra busca o mesmo pela razão, sem a intervenção de um deus. Mais do que nunca, vivemos num mundo no qual a religião não é suficiente para dar ao homem as respostas que ele procura.“ Ferry olvida que, com toda a sua Filosofia, os gregos viviam em uma sociedade corrupta, cheia de vícios (como orgias e bebedeiras, que ocorriam durante os Bacanais, por exemplo). O mesmo pode ser dito da sociedade romana, marcadamente influenciada pelo pensamento grego. Propomos que a verdadeira religião, encontrada na Bíblia, é a única que pode salvar o homem desta época de seu vazio existencial e das crises morais. Em nome dos princípios verdadeiros, ensinados na Bíblia, cristãos em países como China, Índia e Iraque têm deposto sua vida, porque vale morrer por causa desta verdade.

[1] A entrevista, cedida a Gabriela Carelli, foi publicada na Edição 2083, de 22 de outubro de 2008, e se encontra disponível em http://veja.abril.com.br/221008/entrevista.shtml. todas às citações e declarações de Ferry remetem a esta fonte.
[2] Citado por Cláudia Guerra, “Violência conjugal e intrafamiliar: alguns dados de mundo, Brasil, Minas Gerais e uberlândia", disponível em http://www.cfemea.org.br/pdf/violenciaconjugal_claudiaguerra.pdf.
[3] Petterson Rodrigues, “Para antropóloga, ainda há resistência com relação à Lei Maria da Penha”, disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/04/07/materia.2008-04-07.8094031072/view.
[4] Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=283.

Um comentário:

joêzer disse...

luc ferry é autor de "o homem-deus ou o sentido da vida". suas primeiras páginas tem lá sua pertinência, mas depois segue a toada do antropocentrismo e da negação de Deus.