quinta-feira, 9 de outubro de 2008

PODERES


Para os reis, toda notícia que nasce de um bulício se traduz em enxaqueca. E, se bem que seja o caso, camufla a irritação. Afetou um sorriso. Conteve as dobras da testa. Diplomaticamente ouve. Quem está acostumado às negociatas, acaba conhecendo de pessoas. Seus interlocutores passariam por beduínos, vendo-os assim cansados pela viagem. Nota-se, porém, que são homens dignos. Suas longas barbas dão-lhes um aspecto distinto.
(Gabriel mostrou-se disposto a ir;
De outros tantos ouviu-se o mesmo
– Em verdade, era o desejo deles;
Ninguém queria pensar no trono,
Objeto de contemplação, de repente vazio.)
A atenção do rei se volta para a comitiva: serviçais levam caixotes. Desempenham a tarefa delicadamente, como mães quando tomam os filhos nos braços. Que esconderiam dentro deles? Documentos importantes? Suprimento de armas? Planos de guerra? Sem dúvida, algo inestimável. A noite não apaga a impressão da visita. Volve-se ora à esquerda, ora à direita da cama de cipreste.
Enquanto de fora se ouve uma torrente de grilos, o rei cisma. Parece ouvir os conselhos do pai, já falecido: “Quem busca amigos encontrará poder” Por causa dos empreendimentos paternos, ele e seu irmão Fasael ascenderam na vida pública. Em seis anos de carreira como estratego, atuara na Galiléia para logo exercer a função em toda a Celessíria.
“O poder, a soma de todas as virtudes, é também um vício”, pensa, vaidosamente rindo da própria cobiça. O poder é um vício, e como todo vício, agrega todas as atenções da mente em seus domínios. O poder! Há de usufruí-lo e esmagar a todos que lhe afastam de seus privilégios. Desde que o triunvirato romano lhe intitulara rei, ele voltara à Palestina com o objetivo de exercer este direito. Os amigos estavam garantindo o propósito de sua vida. Não havia sido difícil cercar Jerusalém e derrotar o remanescente dos macabeus.
(Na universalidade da comunhão perfeita, como
O mais digno tesouro perderiam?,
Como perderiam o Amado Rei?
A Glória dos louvores, a Razão das melodias?
Deixaria Seu posto de Comando
Para reatar Céus e Terra,
Tornando-Se Ele mesmo homem?!)
Seu olhar cruzava com o de Antígono. O rival esperava ler o desejo de vingar a morte de Fasael, que se suicidara na prisão. Quê! O rei não tinha em conta o sangue. Estava acima de laços humanos. Sua paixão pelo poder o divinizara, como costumava repetir para si mesmo. Logo, Antígono foi decapitado; muito depois, também Mariana, sua rainha que o enciumou, assassinada; depois, Alexandre e Aristóbulus, os seus herdeiros rivais, foram sentenciados por um tribunal misto de romanos e judeus, e executados com seus cúmplices; depois Antípater, o rebento dele com Mariana II, enviado preso à Roma; depois, dois fariseus conspiradores lançados na fogueira.
(Nenhum dos anjos obteve a permissão
Para assumir o lugar do homem;
O Sacrifício mais elevado se faria,
A maior dádiva seria ofertada!
O Rei do Universo se faria Rei
Entre a humanidade pecadora que O desprezaria.)

Nesta noite, poderia comemorar estes triunfos. Mas a perturbação persiste. Os visitantes falam de um rei. Que outro rei seria este? Em Jerusalém só existe um rei! Seriam os sábios orientais subversivos, conspirando com as autoridades locais para uma revolta? Precisaria de saber. Pela manhã, tomará as providências. Menino ou não; Belemita ou de qualquer lugar que fosse, o rei anunciado pelos profetas continuaria como uma lenda caduca. Ou seu nome não seria mais Herodes Antipas!

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