segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

ESTE É AINDA O MESMO DEUS



Existe lugar para o conceito bíblico de divindade na pós-modernidade? Esta pergunta se relaciona com a ratio essendi do Questão de Confiança, o próprio fundamento para as postagens aqui veiculadas; a nossa proposta consiste em demonstrar argumentativamente que para a indagação inicial a resposta é afirmativa. Mas, logicamente, eu não posso reivindicar a exclusividade em lidar com esta preocupação. Na última edição da revista Veja, por exemplo, um surpreendente artigo questionou o papel do Deus cristão – bem como de seus declarados asseclas – em um universo de desigualdades tal qual se acha no mundo contemporâneo.
“Que Deus é esse?” [1], assinado por Reinaldo Azevedo, inquire logo de início: “Qual é o lugar de Deus num mundo de iniquidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o bem e o mal?” Azevedo é uma referência na blogosfera e um dos articulistas mais lúcidos do país. O tema escolhido é um dos mais altos, e o autor faz eco a Tomás de Aquino – o filósofo cristão por excelência – quando reflete que “se o Mal subsiste, então não pode haver um Deus, que só seria compatível com o Bem perpétuo.” [2]
O problema da natureza divina, definida como Bem absoluto, em face da proliferação do Mal, recebe um tratamento interessante por parte de G. K. Chestrton [3]: “[…] Se for verdade (como certamente é) que o homem pode sentir uma felicidade extraordinária em esfolar um gato, então o filósofo religioso só pode fazer uma dentre duas deduções. Ou ele deve negar a existência de Deus, como fazem todos os ateus; ou deve negar a presente união entre Deus e o homem, como fazem todos os cristãos.” [4]
O apóstolo Paulo fala incisivamente: “pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Rm 3:23 NVI). O problema do mal não é um defeito de fabricação atribuível ao Criador, porém um mau uso da capacidade volitiva, da responsabilidade do próprio homem. O pecado surgiu como elemento estranho, e seu advento teve um ar de intrusão indisfarçável que, embora não trouxesse uma realidade irreversível, sua atuação cumulou por eras a existência humana de sofrimento e destruição. Não foi Deus quem mudou ou venha mudando ao longo de séculos de História. O Senhor mantém-se o Mesmo, porque Ele “não muda como sombras inconstantes” (Tg 1:17, NVI). Quem mudou, em decorrência da escolha de afastar-se de Deus fomos nós, a raça humana. No entanto, nem tudo está perdido: o plano divino, que consiste em redenção gratuita através de Cristo é nossa única esperança.
Reinaldo de Azevedo, com inegável senso de propriedade, afirma ao se avizinhar a conclusão do texto: “Este artigo não trata do mistério da fé, mas da força da esperança, que é o cerne da mensagem cristã, como queria o apóstolo Paulo: ‘É na esperança que somos salvos [Rm 8:24, citado talvez por causa da influência da encíclica Spe Salvi, de Bento XVI, que se inicia citando este mesmo versículo].’ O que ganha quem se esforça para roubá-la do homem, fale em nome da Razão, da Natureza ou de algum outro Ente maiúsculo qualquer? E trato da esperança nos dois sentidos possíveis da palavra: o que tenta despertar os homens para a fraternidade universal, com todas as suas implicações morais, e o que acena para a vida eterna.” [5]
De fato, a esperança cristã é bifocal: mobiliza o homem para aquela prática da caridade que revolucionou a moralidade no Ocidente; ao mesmo tempo, com destacou acertadamente o articulista, os cristãos sabem-se incapazes de concertar o mundo – mas mantém a esperança naquele Deus que lhes afiançou a criação de “novos céus e nova terra, onde habita a justiça.” (II Pe 3:13, NVI).

[1] Reinaldo de Azevedo, “Que Deus é esse?”, Veja, ed. 2092, ano 41, nº 51, 24 de Dezembro de 2008, especial, 95-96.
[2] Idem, 95.
[3] Reinaldo de Azevedo, na p. 96 do artigo, também faz breve menção ao célebre apologista.
[4] G. K. Chesterton, Ortoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008, 27 e 28.

[5] Reinaldo de Azevedo, idem, 96.

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