segunda-feira, 19 de outubro de 2009

BANQUETE DO REINO


A porta aberta desdobrava aos olhos temerosos uma sala empobrecida pela pouca luz Eles entraram Desconfiança era a palavra O fato era que Como animais surpreendidos por arapucas e depois soltos em viveiros Seus olhos lutavam para coibir o desconforto Mas em vão Havia um objeto que trazia particular incômodo Uma bacia Lá estava Velha Perdida na penumbra E Todavia Iluminada pelo senso de um dever inevitável Embora humilhante Razão de evasivas por parte do grupo mal-acomodado A quilométrica tensão afogava os homens Com sua sandálias secas Qual deles se arriscaria Todos pensavam na bacia enquanto se entreolhavam Na esperança de que alguém se dispusesse E Ao mesmo tempo Temendo interiormente uma convocação para o serviço O tempo estava acorrentado pela ansiedade de seus corações Por isso Andava mais devagar Para a surpresa de todos O mais digno dirige-Se da porta De onde os fitava em conflito Em direção à bacia Amarrando um pano surrado Conquanto limpo Na própria cintura Que contraste Aquele a quem chamavam justamente de Mestre assumia um papel serviçal Sentiam-se tolos Pensando ainda em manter-se no controle da situação Intencionavam secretamente Cada qual Oferecer-se-Lhe para tomar o lugar Assim impediriam a humilhação do Senhor Além de conquistarem Sua confiança Outra vez hesitaram Concluindo que Ele saberia ver a diferença entre a abnegação legítima e a impostura Lentamente Ele se reclinava Deitando na água fria os pés de Seus companheiros Seu coração se dilatava Pois a muito quis demonstrar-lhes um amor direto Um exemplo espontâneo da didática afetiva As mãos que serviam eram as asas para aqueles pés guerreiros E Sem dúvida Sepultavam delicadamente as deformidades do orgulho que cultivaram por política ao longo dos três anos O tempo outra vez se congelava E eles ouviam as arcadas de alguma música superior às cantilenas que os acompanhava nas sinagogas desde suas infâncias Surpreendidos Não Estavam tocados Isto sim Tocados pela singeleza de um gesto mais desprendido do que mães seriam capazes de fazer em nome de filhos muito queridos Senhor Não poderei permitir que chegues ao ponto de me lavares os pés Erguia-se a voz Assombrada pelo ato maior Mal compreendendo a vitalidade do ofício Tenho de faze-lo Irmão Para que tenhas participação íntima no meu ciclo de amigos E ninguém ousou outra tentativa de protesto Quase às lágrimas Doze homens foram dizimados Restanto de suas ambições a constatação de que eram falhos demais para estar à sombra da Pureza O silêncio ainda E já estavam à mesa reclinados solenemente Esquecendo-se tão rápido quanto a humanidade lhes concedia que se esquecessem da dávida Logo O pão partido O cálice abençoado Os símbolos desfilando séculos antes de serem pervertidos pela eucaristia Ou deformados por uma blasfêmia chamada transubstanciação O sacramento original O simbolismo simples do Corpo e do Sangue Apresentado aos homens que mais deveriam ser capazes de aquilatar a imensurabilidade do que era representado Deveriam ser capazes Apenas deveriam Afinal Falharam em compreender que a humildade precede a comunhão Não aceitaram que Para apreciar o serviço que Deus nos prestou temos de cultivar a disposição de servir A bacia continuou em seu canto Lá estava Velha Perdida na penumbra Essa apenas do cenáculo

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