quinta-feira, 14 de outubro de 2010

OUTRAS REFLEXÕES: ADVENTISTAS LIBERAIS

Por melhores que fossem suas intenções primárias, fariseus se vulgarizaram como indivíduos hipócritas. Mais ainda: são o símbolo perpétuo da atitude radicalmente intolerante. Curioso: pouco se fala sobre os saduceus. Uma leitura distraída do Evangelho quase os colocaria em mesmo nível com os fariseus. Não caiamos aqui: são grupos distantes, acérrimos oponentes. Os saduceus representavam o outro extremo, o do liberalismo advindo da amálgama entre religião judaica e cultura helenística. Seu naturalismo negava anjos, milagres, visões e artigos afins.

À semelhança de fariseus, eram igualmente dogmáticos. (E é forçoso que se bata na tecla – outrossim, tornou-se popular a premissa de que somente tradicionalistas tenham seus dogmas; entretanto, ressalto que o liberalismo possui uma dogmática de peculiar dialeto).

Compensa dizer: Jesus conseguiu desagradar fariseus e saduceus, não por capricho, senão pela insistência de que a religião verdadeira procede da obediência à Revelação. Assim, desacatou as tradições de fariseus enquanto virava as costas às práticas de saduceus.

Em outro momento, tratamos sobre adventistas fanáticos, os quais se identificam com os fariseus em seu zelo inverso (e controverso!). Resta tratar dos saduceus. Verdade é que alguns tentam por burqas em Ellen White, quando outros a querem ver trajando minissaia.

O lado saduceu do Adventismo talvez seja o espectro (ou Spectrum?) da Teologia Liberal que ronda os círculos evangélicos; talvez se deva à influência midiática; sobretudo, porém, representa falta de avanço na compreensão bíblica. Como adventistas, cremos ser portadores da Verdade Presente. Mas o pacote de Luz, que custou a oração fervorosa dos pioneiros, não nos deu o direito de alardear que “ricos somos e de nada temos falta.”

Cada geração enfrenta novos desafios à mensagem cristã. E a recusa (mesmo involuntária) de destrinchar a Luz e enfrentar o repto específico de cada época torna os cristãos uma comunidade acuada, que passa a viver da tradição estagnada. Logo, gerações posteriores de cristãos lutam contra os resquícios extenuados da tradição, as quais não foram traduzidas para seu contexto, ou mesmo pouco ou nada desenvolvidas. Todavia, ao invés de continuar a pesquisa bíblica e restaurar tudo quanto fosse necessário, esses novos cristãos substituíram a tradição por crenças palatáveis aos padrões de sua época. A base, portanto, deixa de ser bíblica e se inclina servilmente ao zeitgeist (espírito da época). Tal é a gênese do liberalismo teológico em geral, e do liberalismo adventista, em particular.

Ao contrário do adventista fanático, exaltado e carrancudo, o liberal se mostra de outra têmpera: sociável, carismático, aglutinador. Seu pragmatismo oferece a resposta para a liturgia burocratizada e um evangelismo atrativamente contextualizado. Aparentemente, o indivíduo liberal transmite uma normalidade, desfazendo o rótulo que a igreja leva de “homens verdes em torno de uma cruz”. Mas precisamos inquirir: não seria essa “normalidade” um conformismo que dilui o Adventismo, tornando-o uma versão “coca-cola” da turma de Josef Bates e Hiram Edson? Ou: até que ponto o adventista liberal é adventista? A seguir, verifico três motivos de preocupação com o Adventismo liberal (sabendo que certamente haveriam outros):

A) Adventistas liberais têm seu testemunho comprometido porque, no fundo, sua visão difere bem pouco da visão daqueles que os rodeiam: como influenciar as pessoas com uma mensagem que se pretende revolucionária, ao mesmo tempo em que, na prática, não revolucionou muito a vida daqueles que a professam? Se não há diferenças significativas entre os hábitos dos cristãos em relação aos dos não-cristãos, para quê serve seu Cristianismo? A questão se torna ainda mais dramática se elencarmos as exigências do discipulado cristão, entre as quais “negar-se a si mesmo”, “tomar sua cruz”, estar disposto a “perder sua vida” e sofrer “perseguição” e “injúrias”, além de manter a disposição de “servir os outros e não a si mesmo”; confrontadas com tais exigências (e outras), o liberalismo não passa de um bonzai, um reducionismo dessencializador. Se um Cristianismo autêntico está comissionado para ser “sal da terra” e “luz do mundo”, que papel estaria reservado para ser versão mais insípida e nublada?

B) Adventistas liberais são mais racionalistas: O liberalismo se desenvolve quando não se leva o sobrenatural a sério. Saduceus escolhiam, em seu ceticismo, quais elementos da crença judaica tradicional ainda manteriam como artigo de fé; os cristãos liberais do século XVIII e XIX não acreditavam em milagres (mesmo aqueles descritos na Bíblia). Hoje, os liberais são os mais propensos a tentar conciliar ciência naturalista e teísmo. Por isso, tanta desconfiança da Bíblia e dos Escritos de Ellen White.

Às vezes, a desconfiança é camuflada pela alegação de que as declarações inspiradas fiquem restritas aos seus contextos históricos – o que em geral expressa o desejo de que fiquem presas ao passado! Uma ressalva: o entendimento do contexto, sem dúvida, é importante; porém, isso se torna um problema quando se deseja entender declarações proféticas somente como fruto de sua época, sem a possibilidade de extração de princípios para reger o povo de Deus em sua conjuntura atual; daí, o profeta se torna meramente um mensageiro silenciado pela História e sua autoridade, na melhor das hipóteses torna-se “pastoral”, como Desmond Ford redefiniu a função de Ellen White.

Quando se rejeita o aspecto normativo da Revelação, coloca-se excessiva confiança na própria razão humana. Em parte, creio que isso explica o porquê liberais questionam tanto as doutrinas da igreja ou propõem entendimentos alternativos delas. Liberais reivindicam liberdade, conquanto, ironicamente, estejam enclausurados em conceitos humanos, mutáveis e incertos;

C) Adventistas liberais tendem ao Relativismo: com sua ampla tolerância aos espíritos diversos, liberais conseguem representar, nos movimentos nos quais estão inseridos, um abertura a ideias e tendências de outros movimentos. Geralmente, os próprios liberais gostam de se definir como “pessoas de mente aberta”. Obviamente, o Cristianismo (tal qual o Adventismo) não devem se isolar das pessoas. Contudo, há o risco de que uma abertura sem critérios permita a infiltração de princípios que contrariem o próprio movimento. Saduceus eram o pedaço mais helenizado de Israel. O Cristianismo alemão, em fins da década de 1930 era tão insípido que não tardou em apoiar, grosso modo, o Nazismo. Não é incomum adventistas liberais participarem de eventos gospel ou incorporar ao seu estilo de vida comportamentos contrários ao estilo de vida defendido pela denominação (como sexo pré-marital e frequência a ambientes como cinemas e festas noturnas).

No fundo, o relativismo é a conclusão de que não importa o que creiamos ou como vivamos. O que importa são os sentimentos, o amor a Deus e o amor ao próximo – e o próprio emprego desses termos não é feito senão em termos gerais, suficientes para esvaziar o conteúdo bíblico deles. Afinal, quanto menos contornos e mandamentos (mesmo os bíblicos!), mais o liberal sente-se em casa!

Claro que uma incoerência tão marcada leva muitos à conclusão razoável de que, se realmente não há diferença, é melhor abandonar de vez o Adventismo…

Da mesma forma que ocorria na época de Jesus, o liberalismo hoje cresce em influência. A missão da igreja enfrenta fortes obstáculos e as características da denominação são extirpadas por compromissos com o atual zeigeist. O antídoto? Conforme um amigo, só duas coisas podem resolver: ou reavivamento ou perseguição. Espero que nos persigam logo!…

10 comentários:

Dani disse...

Excelente ! Sua referência a "Spectrum" nas entrelinhas foi a Spectrum Magazine? Até hoje não entendo aquele pessoal e suas críticas...só o que fazem é criticar, e se dizem adventistas progressistas...progressistas e liberalistas são farinhas do mesmo saco? Ou existe alguma diferença entre ambos?

Parabéns pelo Blog de excelente conteúdo !

God Bless You :)

Pr. Heber Toth Armí disse...

Reflexão profunda! Gostei...
Parabéns pela mensagem forte, desafiadora e instigante. Precisamos de mais mensagens assim!!!

Filipe Reis disse...

Olá irmão,

Li atentamente este texto e quero transmitir ao irmão que partilho em absoluto as suas conclusões, tendo até já escrito na mesma linha de raciocínio.

Sinto que estes movimentos liberais são um dos perigos que Ellen White avisou nos seguintes termos: "temos muito mais a temer de dentro do que de fora" (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 122).

Ao contrário de um discurso de consenso superficial que não cria raízes, precisamos de reflexões assim para que os nossos olhos se abram cada vez mais para a urgência deste tempo, fazendo as devidas ruturas com hábitos e práticas que só nos prejudicam, ainda que aleguem o contrário.

Deus o fortaleça neste esforço.

Filipe Reis.

Italo Fabian disse...

Estimado Douglas, parabéns pelo Blog, embora eu discorde por completo do que você escreveu apreciei bastante à mensagem. Infelizmente eu tive que ler comentários como o da Dani, do Pr. Heber e do Felipe Reis, sinceramente quando vejo pessoas como essa dizendo o que dizem, sinto que na igreja não há espaço para mim, essas pessoas fazem exatamente aquilo que Paulo recomenda a não se fazer em Romanos 14:15, contristam o irmão, ou seja, entristecem o irmão, porque acreditam que a única posição possível de ser verdadeira é a delas. Eu realmente não consigo chegar de maneira pessoal a outra conclusão a não ser a de que falta amor a essas pessoas. Conheço inúmeros jovens que sentem-se exatamente como eu me senti ao ler esses comentários. Infelizmente hoje os adventistas se tornaram evangélicos, há adventistas que crêem em coisas que só as igrejas evangélicas crêem e acreditam piamente que estão realmente mantendo crenças adventistas. O fundamentalismo infelizmente parece ter tomado conta do adventismo, enquanto eu vejo que existe a necessidade de conservadores e liberais dentro da igreja aqueles que se sentem incomodados com a presença dos liberais pensam que tal presença é indigesta, engraçado que os fariseus também pensavam que a presença de Jesus era indigesta, logo porque, Jesus era um judeu liberal e é fácil ver isso quando Jesus simplesmente discorda de Moisés em Mateus 5 versos 21,27 e 33. Só posso lamentar por uma comportamento tão ofensivo e distante do que se espera de pessoas cristãs.

Espero que Deus possa abrir nossos olhos à sua sabedoria e nos dê a humildade de saber conviver com pensamentos tão diversos.

douglas reis disse...

Italo,

sua participação é bem vinda. Não sei como você entende a palavra "fundamentalista", mas ela surgiu justamente em uma época na qual tudo era questionado e os evangélicos resolveram lutar pelos fundamentos bíblicos. Neste sentido, não vejo nada de pejorativo em assumir a alcunha de fundamentalista.

Quanto a Jesus ser liberal, há controvérsias. Como declarei no post, os judeus liberais eram os saduceus e não vemos Jesus se identificando com as crenças desse grupo.

Acredito que Jesus representa o equilíbrio que cristãos modernos e, sobretudo, adventistas devem buscar. Não de tradições ou de acomodações à cultura popular se faz o cristão, mas de um claro "Assim diz o Senhor".

Abraços fraternos.

Italo disse...

Olá Douglas.

Obrigado pelas boas vindas. A minha compreensão sobre fundamentalismo é a que você também tem, porém considero um equivoco pensar que evangélicos lutavam por fundamentos bíblicos, eles lutavam sim, mas por interpretações que eles criaram sobre a bíblia, além do mais isso se caracterizava pelo simples fato de que os fundamentalistas evangélicos era bastante ignorantes(isso não é julgamento e sim os anais da história americana) em se tratando de bíblia e eram culturalmente condicionados pelo ocidente que gerou a crença de que tudo para ser verdade precisa de ser literal. Quanto à sua noção de saduceus serem liberais, me parece que você acredita que ser liberal é quem discorda de coisas sobrenaturais o que não é tão verdadeiro e vale notar que Jesus não se identificou com grupo algum nem com fariseus nem com saduceus. Com certeza Jesus é o equilíbrio nisso concordamos plenamente.

Cordial abraço.

douglas reis disse...

Italo,

fico feliz que você tenha retornado!

Pelo que pude perceber, você critica os fundamentalistas por entenderem as coisas muito "ao pé da letra". Mas, veja, alguns dos pontos que eles defendiam: a criação da Terra em seis dias literais (e um de descanso!), o nascimento virginal de Jesus, a inspiração das Escrituras (no caso deles, inspiração verbal, ponto do qual eu discordaria), etc. Dá para ser cristão discordando destes pontos? Será que sua visão sobre eles não reflete, em parte, a crítica de não-cristãos, influenciados pelo naturalismo filosófico (o qual nega a existência de milagres)?

Pense por um momento: se, pelo que você escreveu, os liberais rejeitam o sobrenatural, porque ainda creem em Deus, que é um Ser sobrenatural? Por que aceitar a salvação oferecida na cruz, um evento carregado de atos sobrenaturais? Como um adventista, que crê no retorno de Jesus, poderia descartar o sobrenatural? Seria como um general americano ir para a guerra para praticar o pacifismo extremado!

Unknown disse...

Querido Pastor Douglas;
Esse seu artigo só pode ser fruto de uma Unção que se apodera da mente e a conduz à genialidade.
Que O Espirito Santo continue soprando em seus ouvidos e dirigindo a sua caneta.

matheus disse...

Eu nao sou adventista.
Sou cristão Evangélico Pentecostal.

Mas gosto muito do Adventismo,e tb fico muito triste com o avanço do liberalismo nessa denominação tão séria.

O Liberalismo é um arma de Satanás para acabar com as verdades Bíblicas defendidas por muitos Cristãos.

Precisamos muito orar ao Senhor,para que ele livre nossas igrejas desse MAL.

Qualquer professor,pastor,ancião,etc que ensinar o liberalismo nas nossas igrejas,escolas,seminarios,devem ser demitidos urgentemente.Devem ser excomungados.

Nao podemos ficar passando a mão na "cabeça do diabo",devemos que arrancar o mal com raiz e tudo.

Esses pessoas liberalistas vieram para cumprir as profecias da Epistola de Judas,de Joao,de Pedro,as palavras dos Apostolos.

Eles negam ao Senhor Nosso e Soberano Jesus Cristo.
Eles querem tranformar a graça de Deus em libertinagem.
Devem ser exortados a deixarem de propagar esse mal,ou entao se retirarem de nossas denominações.

Esses "Saduceus"atuais querem acabar com o Cristianismo bíblico.
Que Nosso Senhor Jesus volte logo,e lhes dê o que eles mereçem.

Álvaro Rêgo disse...

Estou neste momento reunindo artigos sobre o tema do liberalismo, seja no campo comportamental ou teológico. Fiquei muito feliz por encontrar este documento, cuja abordagem (fariseus e saduceus) encaixa-se como uma luva em minha visão sobre o assunto. Como adventista do sétimo dia, percebo que o "saduceísmo" moderno avança e não se permite conversar, adotando a postura de imposição e arrogância, avançando em "estratégias evangelísticas" e "abordagens inovadoras" (portanto, "mostrando serviço"), e infelizmente deixando de lado as colunas fundamentais da nossa fé. Se isso é amor, deve ser pela recíproca aceitação do mundo e seus costumes, o que já foi retratado no período profético da igreja de Pérgamo, que negociou sua liberdade e se prostituiu com o Império Romano. Por outro lado, sem necessariamente discordar, vejo também elementos do antigo farisaísmo no contexto liberal, como: o aspecto da maioria, a grande influência sobre as instituições, a ampla aceitação de "novas tradições" em lugar do que foi firmemente estabelecido pela Revelação, e o revisionismo teológico de base acadêmica, que conduz à imposição certos dogmas. Gostei também da franqueza dos comentários até o momento. Forte abraço a todos!