sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A ÚLTIMA ESTAÇÃO



A poucas estações do fim. Alguns liam morosamente o jornal. Um garoto alienado em seu MP alguma coisa. Senhoras conversando sobre os netos. Gente voltando de diversos escritórios. Sobretudo, o cansaço de quem esperou o metrô esvaziar para voltar para casa.

Em uma parada, entram duas crianças. O mais velho não teria mais do que seis ou sete anos. Os tufos voláteis davam um contorno impreciso à sua cabeleira. Chegou numa torrente de gritos e gestos. Semelhante a ele, um outro menininho. Mais roliço, o maxilar menor e o nariz arrebitado. Com palavras inteligíveis, copiava o vozerio do irmão.

Atrás dos perturbadores, um homem, testa larga, cenho decaído. Quem o visse, diria que fosse legítimo palerma. Sentou-se numa prostração de condoer. Parecia alheio às crianças, que, desde a entrada, voavam pelo corredor do vagão sob os olhares enviesados dos passageiros.

As senhoras mudaram de tema. Cochichavam sobre a educação de hoje e frouxidão dos pais. Dois estagiários, visivelmente aborrecidos, faziam caretas. Com sarcasmo, caçoavam dos meninos, fazendo rir duas moças próximas a eles. Até parecia que os garotos inquietos serviram de mote para a paquera.

Uma funcionária pública, vestindo um terninho surrado, indignou-se. Com veemência, passou a reclamar em voz alta, imaginando que inflamaria alguém. Aquilo era o cúmulo: ela não trabalha seis horas por dia?, como, pois, teria de aguentar aquilo? Por que alguém precisava dizer àquele pai que as pessoas estavam cansadas; ele que tivesse mais pulso com as duas pestes, oras!

Aos poucos, os resmungos se materializaram em desconforto generalizado. Os meninos continuavam intensos. Crescia o descontentamento. Todos lhes dirigiam caretas e ameaças veladas – ou nem tanto disfarçadas. Foi quando senti que os olhares se voltaram para mim.

Até então, estive incógnito. Claro que estava exausto, porque cruzara a cidade pela manhã e o fazia novamente. Apenas queria estar em casa e com a esposa. Pensava, diante dos monstrinhos no metrô, em novamente adiar a paternidade. Olhei duas ou três vezes para o homem, sentindo raiva pela sua fraqueza e simpatia pela sua impotência.

Talvez fosse isso. Perceberam que eu estava ao lado dele e lhe dirigira olhares solidários. Foi suficiente para que eu fosse escalado, naquele momento, como porta-voz dos demais passageiros. Mas o que dizer? Como abordar um desconhecido e lhe censurar a falta de disciplina para com os próprios filhos? Situação incômoda.

Hesitei. O homem concentrara-se mesmo no jornal. Queria ter começado por aí. Mas as primeiras palavras não saíram exatamente como planejei…

– Parece-me que seus filhos estão agitados, né?

Um momento de silêncio. O homem parecia distante, glacial. Mas me ouvira, sim.

– Eu não os culpo. Depois de tudo o que lhes ocorreu, é melhor assim.

Tive medo de saber o resto da história. Mas ele prosseguiu:

– Ontem, fomos ao hospital visitar a mãe deles. Era a primeira visita dos meninos. E foi também a última.

Foram pesados quinze minutos que se seguiram. Logo os meninos desceram. O pai foi logo atrás, opaco. Todos esperaram as portas se fechar. Seguiram-se caçoadas, risos e tudo voltou a normalidade. Mais uma estação e seria o fim. Para a maioria de nós. Para aquele homem, e seus filhos que não tinham maturidade sequer para compreender a perda, a última estação já chegara.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pastor, muito bom o texto, boa história, pra alguns parecia um momento de zoação, mais não sabiam o que os meninos estavam passando naquele momento.

Evaldo, 8o Ano.
@arrobacoquinho
haha :D