segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PAPAGAIOS QUE DIZEM ALELUIA

Já faz tempo que me deparei com a expressão “papagaio de pirata”. Ela descreve bem a atitude de alguns políticos de menor importância que gostam de parecer no palanque ao lado de grandes líderes nacionais, com o objetivo de “sair na foto”. Alguns tietam artistas com o mesmo objetivo: aparecer junto a eles, como se isso bastasse para que a fama fosse transferida por osmose.

Lamentavelmente, temos de reconhecer: o gospel também tem seus “papagaios de pirata”, aqueles que fariam tudo para serem contados juntos com os grandes artistas. Isso se deve ao aumento da mídia evangélica, proporcionando que cantores e pregadores sejam alçados ao patamar de vedetes.

Em muitos casos, há genuíno talento nesses artistas do Senhor (ao contrário de muitos de seus equivalentes seculares, que alcançam a fama pela exposição na mídia). Todavia, o cerco em torno deles favorece de tal maneira às honras humanas que a auto-glorificação soterra o seu ministério. São piores do que o homem da parábola, que recebera um talento (Mt 25): aquele, enterrou o que recebera do Senhor; eles, saem a exibi-lo, como se o tivessem ganho sozinhos!

O culto à personalidade no meio gospel absorve os adoradores cristãos, e concorre diretamente com o culto ao próprio Deus. Quando se trata de ir assistir a banda gospel favorita, alguns, que de outra forma não iriam até a igreja na esquina de sua casa, movem montanhas (mas não pela fé!). Coleções de CDs, DVDs, participação frequente em fóruns na internet, e até pôsteres (!) de artistas constituem, para alguns, uma idolatria camuflada em admiração saudável.

Não que seja errado reconhecer o talento de meu irmão; não que a honra não seja devida a quem faz algo bem feito para a obra do evangelho. Entretanto, tudo no fim deve nos conduzir a Deus, que usa as pessoas e distribui graciosamente dons aos homens, para a edificação mútua (Ef 4:11 e ss.).

Aqueles que se esqueceram dessa verdade fundamental deveriam considerar Hebreus 12:2. Ninguém deve ocupar o lugar de Jesus em nossa vida. Ele é o Único, o Santo, o inteiramente Outro. Amigos faltam com a palavra. Familiares podem nos lesar. Líderes espirituais são passíveis de erros. Apenas Um é Desejável, Perfeito e plenamente Justo. A Ele devemos a salvação. Mas quando glorificamos o homem, olhamos tão para baixo que nos esquecemos de Quem habita os altos Céus.

Já passa o tempo de voltarmos as costas para conveniências e bajulações. Basta de papagaios dizendo aleluia como quem diz “esse é o cara”, “você é o máximo”. Toda glória seja dada a Deus! Se você quer se aproximar de alguém que merece sua atenção e dedicação, vá agora ao Senhor Jesus – e Ele jamais “o lançará fora” (Jo 6:37).

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A CIDADE MARAVILHOSA DE DEUS


Qualquer criança sabe a onomatopeia correspondente ao som das metralhadoras. Qualquer pai, embora fisicamente no trabalho, mantém a mente voltada para a segurança das crianças. As ruas desertas; decerto, os táxis desertam. O Rio de Janeiro vive momentos de tensão. A todo momento, podem fazer você descer do carro e correr, enquanto gasolina é jogada sobre o veículo, que logo se tornará um monumento ignificado, desafiando o poder público. Nem o transporte coletivo escapa das chamas criminosas!

A polícia carioca resolveu responder à altura. As imagens vistas pelo mundo afora durante a semana desafiaram a falácia de que vivemos em um país sem guerras. Soldados pintando o rosto. A Vila Cruzeiro invadida por tanques de guerra, os quais ladeavam os “caveirões” do BOPE na ação de acuar os criminosos. Hoje, chegou a vez da Comunidade do Alemão receber uma visita de homens armados. Tudo parecia uma continuação desafortunada do filme Tropa de Elite, sucesso dos cinemas nacionais, o qual retrata justamente a violência carioca.

As ofensivas da polícia resolverão o caos que vive a cidade maravilhosa? Cariocas espalhados por todo o canto, no Brasil e no exterior, revelam a gama de emoções que lhes percorrem: alívio, por ter deixado o Rio; aflição, quanto aos parentes que vivem entre o fogo cruzado; comoção, pela guerra que se instalou; desconfiança, quanto às ações da polícia e às soluções a longo prazo.

O Rio de Janeiro, cidade turística, palco dos Jogos Pan-americanos, uma das cidades que receberá os jogos da próxima Copa do Mundo, o Rio das maravilhas naturais, das praias, da natureza, enfim: o Rio refém de si mesmo, da condição humana, de décadas de descaso, da impotência dos governantes em resolver a crescente criminalidade. O Rio, que é governado pelos chefões do tráfico, os quais, a uma chamada de celular, resolvem quem vive e quem morre, enquanto o sistema carcerário os mantém confortáveis em suas celas.

Será que tudo isso tem uma solução? De onde se pode esperar uma solução? Certamente, se mudarmos o foco, veremos outras cidades e, até mesmo, países vítimas de conflitos, guerras civis, conflitos étnicos, corrupção, desemprego, violência e catástrofes naturais. Que lugar oferece segurança absoluta? Cada vez mais, a criminalidade se interpõe entre os sonhos da sociedade de consumo, que podem desembocar na realidade sanguinolenta da próxima esquina.

Certamente, as balas perdidas da indiferença e maldade chegam até o Céu. Há um Deus que sofre em meio às lágrimas daqueles que se veem cercados por traficantes e bandidos. A Bíblia diz que Deus visitou a Terra quando a perversidade dos seres humanos atingira um ponto limítrofe (Gn 6:5). Pois esse Deus visitará novamente a Terra para acabar de vez como nosso pranto cansado e nossa voz amargurada. Ele, que prometeu “Novos Céus e Nova Terra, nos quais habita a justiça” (2 Pe 13), hoje estende a mão para socorrer àquelas vítimas da maldade e dos interesses escusos. Apenas em Deus se pode confiar em tempos que, nas palavras de Paulo, seriam “difíceis” (2 Tm 3:1; ou “terríveis”, na NVI).

A paz que o coração humano almeja respirar está guardada no alforje dAquele que nos dará uma “herança que jamais poderá perecer, macular-se ou perder o seu valor” (1 Pe 1:4, NVI). Para quem mantém essa esperança, a despeito de quaisquer probantes circunstâncias, Deus afirma: Ele “não se envergonha de ser chamado o Deus deles, e lhes preparou uma cidade.” (Hb 11:16, NVI). Deus oferece para todos os que nEle confiarem a verdadeira Cidade Maravilhosa, onde viveremos com Ele para sempre! Por que não aceitar o convite amoroso daquele que diz: “faço novas todas as coisas” (Ap 21:5)?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

SÍRIA: UM CASO SÉRIO!

O site Opinião e Notícia destacou o recrudescimento da perseguição a protestantes na Síria. Curiosamente, as medidas que as autoridades tomaram contra esses cristãos se deveu a denúncias feitas por católicos e ortodoxos. Como as leis do país não permitem a conversão de muçulmanos ao Cristianismo, as campanhas evangélicas investiram em arrebanhar cristãos católicos (tanto romanos, quanto ortodoxos).

É claro – tudo isso constitui flagrante infração à liberdade religiosa. Nenhum país tem direito de restringir as opções religiosas à população, sequer a uma parcela dela. Na Alemanha do século XVI, havia cantões católicos e protestantes, de acordo com a fé dos príncipes desses cantões. Na prática, quem quisesse seguir o luteranismo e morasse em terras católicas, teria de se mudar de endereço!

Deve haver esforços para que a evangelização não fique tolhida, porque, por natureza, ela é um esforço todo-abrangente de conquistar a todos para o Salvador Jesus (Mt 28:18-20). Infelizmente, a resistência oferecida principalmente por países muçulmanos tem crescido. Mas os corajosos servos de Deus avançarão, mesmo que isso significa desobediência civil – afinal, “antes importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 4:19).

domingo, 21 de novembro de 2010

A DOIS PASSOS DO PARAÍSO

Um comercial ressuscitou o jingle A dois passos do paraíso (composição de Evandro Mesquita e Ricardo Barreto). A canção fez sucesso com a banda Blitz. Mas este post não tratará da banda, do comercial ou das características da música. De forma bem livre, quero pensar na frase que marca a música: a dois passos do paraíso.

A “dois passos” indica proximidade, fim da jornada, um motivo a mais para continuar andando sem ser tomado pelo desânimo. E proximidade de quê? Do próprio “paraíso”. O termo é, em si, lugar-comum. Nas férias, procuramos por lugares paradisíacos. Um local de trabalho tranquilo é um paraíso, tanto quanto uma vizinhança segura. O paraíso é perseguido pelos ideais utópicos (uma ironia: utopia quer dizer, literalmente, um lugar que não existe!).

Estar a dois passos do paraíso é algo desejável para aqueles que creem na Bíblia. Afinal, nas Escrituras o paraíso ganha contornos reais e sua concretude é assegurada não tanto pela Onipotência de Deus, como por Sua fidelidade. Certa vez, Jesus comentou a um escriba: “não estás longe do reino do céu” (Mc 12:34). O elogio dado ao religioso se deveu à sua compreensão similar a do próprio Jesus de que amar a Deus, acima de tudo, e ao próximo, como a si mesmo, era a essência da Lei.

Mas ainda o escriba não estava no Reino!

Existem dois passos, segundo o próprio Jesus, que devem ser dados a fim de assegurar nossa entrada no Reino. Não "a dois passos do Reino", mas "dois passos para o Reino". Ninguém precisa se confundir. O próprio Salvador não deixou uma série de enigmas inconclusos, ou pistas herméticas esperando investigadores peritos. Os passos são mais simples do que os de uma valsa.

Jesus afirmou: “Quem crer e for batizado será salvo”. Dois passos que não demandam habilidade incomum ou intelecto privilegiado. Não apenas magnatas do petróleo ou esportistas bem sucedidos podem fazer isso. Bill Gates e Eike Batista não estão à frente dos demais homens quanto ao caminho apontado por Jesus.

Primeiro: crer em Jesus. Aceitá-Lo de acordo com o modo como Ele Se apresenta em Sua Palavra. Reconhecer Sua soberania sobre nós. Depender de Sua direção e nos entregar aos Seus pés, admitindo nossa limitação – somos o pó que enfeia Suas sandálias. O pecado nos contaminou e apenas Ele possui a cura, por meio de Seu sacrifício vicário. Temos nEle um substituto perfeito.

O segundo passo: assumir publicamente um compromisso com Ele. Passar pela experiência que a Bíblia aponta como capaz de nos unir simbolicamente a Jesus em Sua morte e Ressurreição (Rm 6:3-4). Estarmos ligados à família de Deus na Terra, ao corpo de Jesus e, a partir de então, nos unir na missão para resgatar outros e habilitá-los para o advento do Reino.

Qual desses dois passos o amigo leitor já deu? Por que esperar mais? São apenas dois passos para o Paraíso!…

A LITERATURA EM UM NOVO GRAU?

O livro morrerá? Dado o surgimento de e-books, e-readers (como o popular Kindle) e mediante crescentes inovações no mundo digital, sentar-se para virar as folhas de um livro tradicional parece tarefa obsoleta. Por outro lado, há quem argumente que o livro sobreviveu – ainda que não incólume – ao advento do telefone, do rádio, da televisão e da internet. Assim, o prazer da leitura convencional seria insubstituível, ainda mais pelo aspecto material – poder tocar e manusear um objeto tridimensional.

Envolta por este clima de incerteza quanto ao futuro, surge a proposta de conjugar livro, vídeos e fóruns de discussão: é o primeiro “romance digital interativo”. A produção ousada foi concebida pelo escritor de seriados Anthony Zuiker.

Zuiker é conhecido por criar a milionária série televisiva CSI. Com a participação do escritor de HQs Duane Swierczynski, ele escreveu o primeiro volume da trilogia Grau 26. Para os fãs de CSI, algumas semelhanças são facilmente perceptíveis, e comentarei logo mais sobre elas. Li a primeira parte da obra (Grau 26: a origem) na íntegra, apesar de ter acompanhado apenas uma parcela dos vídeos disponíveis no site, os quais complementam situações do livro.

Reconheço a boa intenção da iniciativa. Trabalhar com diferentes mídias é algo atraente. No entanto, tenho algumas ressalvas ao livro. Em primeiro lugar, nota-se uma mudança de enfoque em relação à série que fez o nome de Zuiker. Grau 26 é um livro mórbido, explorando mais o terror do que o suspense.

A trama gravita sobre a noção de que os assassinos são classificados em vinte e cinco categorias, de acordo com o grau de crueza e periculosidade. Até que surge um misterioso assassino, Sqweegel (cujo “nome” remonta a um de seus crimes horripilantes…). O monstro é meticuloso, paciente, ágil e, devido à sua pequena estatura, entre e sai de qualquer lugar, graças aos seus movimentos de acrobata. Ele nunca foi pego, porque não deixa rastros (sua indumentária de látex o protege de deslizes). Por todas as suas características, Sqweegel se torna o único expoente da nova categoria de assassinos: o grau 26.

Basicamente, o livro mostra um embate entre Sqweegel e Steve Dark, o agente federal que o investigou por anos – e sofreu as consequências. No momento em que reconstrói sua vida ao lado de sua esposa grávida, Dark é contatado por seus ex-chefes para capturar o psicopata de grau 26. A história tem todos os exageros de filmes do gênero, perdendo a verossimilhança que marca CSI.

Outra diferença: muitos episódios que aparecem na série televisiva são mais bem elaboradas e inteligentes que o enredo de Grau 26, que se sustenta em uma narrativa ágil (típica dos Best-sellers), mas literariamente insossa.

Talvez o que acentue isso seja a diferença colossal entre os protagonistas dos dois trabalhos de Zuiker: Gil Grisson, do CSI, é um cientista, frio, inteligente, com conhecimento profundo em insetos e acostumado a deduções sagazes, confirmadas pelas experientes e testes mais mirabolantes. Pois bem: retire metade do cérebro de Grisson, acrescente mais músculos e um rabo de cavalo – eis que chegamos a Steve Dark!

O maior dilema enfrentado pelo investigador Dark consiste no receio de se envolver demais no caso, a ponto de se identificar tanto com a forma de pensar de um psicopata que não possa mais voltar a ser quem era (um dilema similar ao do homem-morcego, no filme Batman:Cavaleiro das Trevas). Pelo desfecho, percebe-se que Dark não conseguiu fugir da influência de pensar como um criminoso – fato lamentável, e outro contraponto com o senso de justiça de CSI, que nunca rompeu com os limites da lei, nem promoveu a mera retaliação.

Uma pena que a proposta inovadora de Grau 26 esteja a serviço de uma literatura açucarada e moralmente questionável. Futuramente, espera-se que outras experiências interativas surjam, aproveitanto o potencial do cruzamento de mídias para promover uma mensagem que mais se coadune com o pensamento cristão – claro que, para tanto, é necessário que servos de Deus, criativos e ousados, semeiem a visão do Evangelho nos meios disponibilizados pelas tecnologias modernas. Aí se poderia falar de Literatura em um grau mais elevado…

PAPA AFIRMA QUE PRESERVATIVOS SERVEM SOMENTE PARA PROSTITUTAS


O livro do jornalista alemão Peter Seewald nem bem foi lançado e já chamou a atenção da imprensa mundial. Intitulado Luz do Mundo: o Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo, o livro de Seewald é fruto de vinte horas de entrevista cedida pelo Papa Bento XVI. Em meio às declarações do pontífice, uma foi alvo especial de polêmica: questionado sobre o uso de preservativos, Bento XVI afirmou que a única exceção para o seu emprego seria no caso de prostitutas, para evitar o risco de contaminação. O papa, conhecido pela rigidez em proibir os preservativos, recebeu elogios de muitas entidades, que enxergaram na declaração uma abertura da Igreja Católica para uma perspectiva mais “atual”. Entretanto, como se poderia avaliar a questão? Devem os cristãos deixar seu “dogmatismo” para atender as necessidades da sociedade atual? O sexo seguro é uma saída legítima para se doenças sexuais transmissíveis?

Quero primeiro me deter sobre a declaração de Bento XVI. Dizer que as prostitutas deveriam usar preservativo, apenas em virtude de sua condição, equivale a dizer que estupradores e maridos adúlteros também deveriam recorrer ao mesmo utensílio! Em ambos os casos, um ato pecaminoso corriqueiro se torna um motivo para que o pecado seja praticado com segurança!

Olhemos a questão como um todo mais de perto. A pressão que recai sobre a Igreja Católica, em particular e sobre a maioria dos cristãos, em geral, é feita no sentido de que aceitem o preservativo como defesa segura contra doenças sexualmente transmissíveis (sendo a AIDS a mais citada). Entretanto, para os cristãos, a preocupação não é essa. Toda a questão envolve a perspectiva da qual se parte. Ou seja: temos que levar os questionamentos a um estágio anterior. Antes de nos perguntarmos: “qual é a maneira mais segura de praticar sexo?”, deveríamos inquirir: “quem pode fazer sexo?”.

Eu sei que, na atualidade, a última pergunta parece ridícula. Ninguém a levaria a sério. Por quê? Pela razão de que a perspectiva secular é disseminada o suficiente para se impor na mente da maioria das pessoas. Isso não quer dizer que os cristãos devam se sujeitar. Temos uma referência: a Palavra de Deus, a qual é sólida e inequívoca. E os não-cristãos, com quem contam? Apenas com o homem como sua própria referência, finita e limitada, volúvel e mutável.

Não importam as modas intelectuais: a Bíblia afirma que sexo é reservado para os cônjuges; assim, se quisermos ser cristãos, nunca poderemos defender o sexo seguro (até porque ele não é de fato seguro: nem quanto ao quesito de evitar doenças, devido aos poros dos preservativos, ou quanto a ser capaz de preservar a integridade emocional). A maneira autenticamente cristã de solteiros evitarem doenças sexualmente transmissíveis chama-se abstinência sexual. Quanto às prostitutas, a solução é outra: conversão!

QUANDO O AMOR ACONTECE...


Estacionou, desceu e aguardou o advogado pegar a pasta. Ambos correram para a delegacia. Antes, tiveram de acotovelar repórteres. “Urubus!” Identificou-se e foi para a uma sala, no fundo do corredor. O advogado ficou na entrada, sem fazer perguntas constrangedoras. Em dois minutos ela apareceu à porta.

Os cabelos morenos escorriam pelos ombros desnudos, o corpo magro, o rosto sereno e sinistro. Uma sombra se projetava sobre o rosto baixo, aprofundando as olheiras que a envelheciam. Sentou-se relaxadamente. Ele a estudou antes de cumprimentá-la. Demorou até que ouvisse um “Oi, papai”.

Era difícil, mais para ele, que mal sabia como perguntar. Torcia as mãos, nervoso. Há muito custo, soltou um “por quê?”, tão desencontrado quanto intimidado. “Eu o amo, pai! Você não entende, não é? No fundo, é como os outros. Quer saber? Eu não dou a mínima para o que vocês pensam. Eu estou pensando em mim. Eu o amo, pode escrever.”

Ele se recusava a acreditar. O desconforto ficava nítido em suas sobrancelhas. “Jade, isso é completamente… imoral!” “Imoral? Imoral? Pai, os tempos mudaram! Nós somos animais cujo propósito é alcançar a felicidade. Palavras como “verdadeiro” ou “justo” só querem dizer alguma coisa: nossa busca pela felicidade. E ninguém pode julgar a felicidade do outro.”

O senhor de meia idade procurava aquele cinismo que leva os jovens a debocharem de seus pais – não encontrou. Jade era sincera. Falava sem desviar o olhar. Tinha convicção e conservava o tom de voz brando.

“Um dia, papai, os homossexuais foram considerados pessoas doentes, pecadores sórdidos. Demorou para que as pessoas reconhecessem seus direitos. Depois, os pedófilos passaram pelo mesmo dilema. No fundo, qual a diferença entre pederastas e homossexuais? Lembra-se da sua amiga de faculdade que foi presa por estupro? E daí que o namorado dela possuía 13 anos e ela já era uma trintona? Você mesmo me ensinou que aquilo era um absurdo e ela queria apenas ser feliz. É o que eu mais quero”, terminou Jade e começou a chorar de forma incontida.

Seu pai ficou impassível, sentado na cadeira. Mordia descontroladamente os lábios. Mil coisas lhe passavam pela mente. Sacou um maço do bolso e ascendeu o cigarro. Ficou por dois minutos fumando, diante da jovem em prantos. Não queria parecer frio, mas simplesmente não tinha palavras.

Foi quando um uivo dolorido percorreu o corredor. “Fred?!”, Jade sobressaltou-se e correu à porta. Queria seguir o uivo, mas um policial a deteve à saída, segurando-a enquanto ela se debatia e gritava. O pai a seguiu com cautela, envergonhado por aquela cena e ainda abatido. O advogado da família se acercou dele. “Irão sacrificá-lo”, falou ao pé do ouvido. Ele saiu dali, cabisbaixo, envergonhado de ter de encarar os comentários maldosos de policiais e seus olhares ao mesmo tempo sisudos e acusadores.

Ainda tomou ar antes de deixar a delegacia e enfrentar a imprensa lá fora. Suas palavras “nada a declarar” ecoavam em sua mente como um xingamento para a mãe de cada um dos bisbilhoteiros. Saiu a tempo de não ver os cartazes de manifestantes “bestialidade é crime horrendo”. Seria o amor algo acima da moralidade e capaz de criar sua própria moralidade? Foi para casa consolar-se nos braços de Tony, para não ter que pensar no assunto…

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

MACKENZIE E A POLÊMICA SOBRE HOMOFOBIA

A declaração polêmica partiu de um homem acostumado a controvérsias. Augusto Nicodemus, reverendo presbiteriano e chanceler da universidade Mackenzie, certamente é um pensador reformado. Para os cristãos que coçaram a cabeça para entender a expressão, explico: a partir de João Calvino, toda uma linha de pensadores e filósofos dominaram cenários culturais, da Suíça à Holanda, da Inglaterra puritana aos pais da nação americana. Nicodemus, teólogo sério e autor de diversos livros, também fez uma declaração de forte impacto cultural. Ele se posicionou contra o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 122/2006, o qual, se aprovado, criminalizará a homofobia (manifestações escritas ou mesmo discursos contrários à condição homossexual serão punidos).

Não é preciso concordar em todos os pontos com Nicodemus para admirar sua coragem. Se ele falasse por si, jamais haveria tanta repercussão sobre o episódio. Entretanto, o manifesto foi divulgado no site do Mackenzie. Segundo o
Estadão, nem todos na instituição bateram palmas ao manifesto. O diretório de estudantes protestou fortemente. A própria assessoria de imprensa da instituição fez questão de afirmar que a autoria do manifesto é da Igreja Presbiteriana, mantenedora da instituição.

Fernando de Almeida, pastor da denominação, comentou o caso em seu
blog. Para ele, deve haver diferença entre homofóbicos – “assassinos, agressores e discriminadores de homossexuais” e aqueles cristãos que, sem uso da violência, reconhecem a homossexualidade como pecado à luz das Escrituras. Para ele, o cristão deveria continuar tendo o direito de convidar pecadores à conversão, falando abertamente sobre o que consideram pecado.

É certo que a Bíblia condena práticas homossexuais. Se afirmá-lo constitui discriminação, teríamos de admitir que o próprio Deus é preconceituoso! Em meio à polêmica, penso que os cristãos deveriam lutar para continuar mantendo seu direito de livre expressão. Sempre com “mansidão e temor”, antes de tudo, “santificando a Cristo” em seu coração (1 Pe. 3:15).
Leia também: Pensando sobre sexo

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

domingo, 7 de novembro de 2010

O MÚSICO CRISTÃO DEVE PARTICIPAR DE SHOWS COM ARTISTAS POPULARES?

Ao longo de meu ministério, testemunhei, com pesar, jovens serem disciplinados por frequentarem shows seculares. O amor às baladas, por vezes, suplantava o amor ao Mestre. Agora, o que dizer, diante da notícia de que um dos mais populares cantores adventistas não apenas esteve presente, mas participou como convidado de uma apresentação do cantor Ed Motta?

A notícia, que aos desinformados poderia soar como um boato maldoso, foi dada pelo próprio Leonardo Gonçalves, conhecido cantor adventista. Leonardo conta como se deu o convite (por meio de sua assessoria). Além disso, ele relata a emoção de estar ao lado de Ed Motta, a quem confessou admirar demais por “sua musicalidade e sensibilidade”, razão pela qual o músico lhe tem servido sempre como “uma grande referência vocal”. Junto com Leonardo Gonçalves, Renato Max, do Raiz Coral, esteve cantando no show de Ed Motta. A música apresentada pelo trio (Motta, Gonçalves e Max) foi Isn t she lovely, antigo hit de Stevie Wonder.

Claramente, a atitude do cantor poderia gerar algumas polêmicas. O voto batismal, que todo adventista presta ao se unir à igreja, não fala com clareza da abstinência de frequentar os chamados “ambientes mundanos”? Se a igreja se posicionou tantas vezes, segundo o seu manual, agindo para corrigir cristãos anônimos por seus erros de conduta, o que fará quando o caso envolve um membro que é extremamente popular?

Em meio às questões que começam a surgir no horizonte, haverá o clima efusivo de admiradores de Leonardo, que o defenderão – alguns de forma quase idolátrica. Afinal, a mídia cristã tem favorecido a formação de uma tietagem que “blinda” músicos e artistas do meio gospel. Nenhuma crítica feita a eles deixaria de ser injusta. Nenhuma ressalva poderia ser menos do que diabólica!

As pessoas se esquecem de que o mesmo Jesus que disse que não devemos julgar (Mt 7:1), também disse que conheceríamos as pessoas pelos seus frutos (v. 16). Seria insensato dizer que o evangelho nos proíbe de analisar criticamente as tendências, doutrinas e comportamentos alheios apenas devido à cláusula “não julgueis”. Pense nas palavras duras que Paulo diz contra os falsos mestres (Gl 1:8-9) ou sua reprovação ao um antigo líder que se apostatou (2 Tm 4:10).

Nos fóruns em comunidades do Orkut, alguns defensores ardorosos de Leonardo compararam a atitude do cantor ao exemplo de Jesus, que comia com os pecadores (Lc 15:1-2). Vale lembrar, porém, que Jesus não se misturou aos pecadores em seus hábitos corrompidos, mas se associou a eles com o objetivo de salvá-los. Seria um caso completamente diferente se Leonardo Gonçalves, ao se apresentar em alguma igreja, tivesse contado com a presença de Ed Motta para ouvi-lo e receber uma oração.

Sei que muitos poderão discutir: a música cantada por Leonardo não possuía teor religioso? Este é um aspecto curioso de algumas canções pops, que trafegam por temas religiosos (na maioria dos casos, de forma bem ambígua ou genérica). É preciso diferenciar composições desse naipe daquilo que é, na forma e na letra, apropriadamente religioso. Compositores cristãos se valem de influências culturais, o que é inegável (afinal, ninguém é um ET para produzir cultura à parte do meio em que vive). Ainda assim, tais aspectos culturais são reciclados e moldados pela cultura do evangelho. Por isso, B.B. Beach, pastor adventista, fala que o culto é transcultural, ou seja, extrapola os limites da cultura e sublima seus aspectos contrários ao evangelho.

Além da matéria bíblica, os adventistas têm contado, ao longo da sua história, com os escritos inspirados de Ellen White, que desenvolveu aspectos tratados implicitamente pela Bíblia no que toca à adoração. Com tanta luz, parece estranho que hoje estajamos dispostos a "descer um nível" e nos condicionar a seguir padrões da música secular, regida por interesses comerciais e voltada geralmente à satisfação de paixões carnais. Infelizmente, a tendência de colaborar com artistas de música popular é perigosa e só crescerá em influência, caso nenhuma posição seja tomada por nossos líderes.
Leia também:

sábado, 6 de novembro de 2010

A RELIGIÃO

O que é religião? O mundo precisa de religião? Em tempos em que o termo “religião” aparece desgastado (devido, principalmente, aos escândalos), mesmo entre os cristãos ele é evitado. Religião é identificada com formalismo religioso, com regras excessivas e uma herança cultural maciçamente rejeitada.

Não obstante, religião permanece aventura empolgante, sentimento realizador e pensamento excelente. Religião: a mão que oferece capa ao nu, o livro que se abre para o inquiridor, a esperança para quem morreu em vida. A luz da religião é um grito quebrando o silêncio das trevas ao longo da História.

Embora pingasse a superstição sobre a seda da tradição bíblica, houve alvejante disponível àqueles que queriam remover a mancha e redescobrir a Verdade. Afinal, por meio do compromisso religioso com o Deus Supremo, quantos não puderam obter o verdadeiro significado para a vida?

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

FIM DO EXÍLIO


“– Como assim retornar, Senhor? Para onde mais?
Do chão, cujo salgueiro apoiou nosso saltério,
Chão que pisaram nossos homens de olhar sério,
Um resto volta a ver os sonhos de ancestrais.

“– Ó cativeiro que ouviu tantas pragas e ais!...
Por Carquêmis passando ao retornar do império
Para Sião, ei-la em um estado deletério,
Ei-nos órfãos, tal como os que arfam sem seus pais.

“– Reconstruímos tudo, os pórticos, as praças,
As alamedas... Desde os portais, par a par,
Ao templo, contra a oposição de muitas raças.

“– E o processo da volta agora chega ao fim;
Para onde queres ver Teu povo retornar?”
“– Quero que o coração deles retorne a mim!”

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A SALSICHA CHAMADA IGREJA




"A igreja é meio parecida com a salsicha: é melhor simplesmente desfrutar dela e não procurar saber do que é feita."

Kevin De Young, em Por que amamos a igreja (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2010), p. 220. O livro é escrito em parceria com Ted Kluck.

Não é preciso concordar com o tipo de alimentação do autor para apreciar esta tirada mordaz e cheia de verdade!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

FALTA ESPERANÇA AOS CRISTÃOS ÁRABES

Hoje, o jornal alemão Taz publicou matéria na qual analisa o drama vivido por cristãos no mundo árabe. Em 1900, 22,7% da população era cristã, taxa que caiu para 5, 77% na atualidade. Na região, que compreende países como Iraque, Síria, a área de ocupação palestina, Egito e Líbano, somente este último ainda mantém a população cristã em mesma proporção em relação ao passado.
Ainda assim, segundo o Pr. Marcelo Viana, capelão da Middle East University, instituição adventista de Ensino Superior no Líbano, o crescimento da igreja no país é pífio: não há programa de evangelismo público e praticamente só os filhos de adventistas são batizados (crescimento apenas interno).

Alguns fatores para a redução da população cristã na região segundo o Taz são: taxa de nascimento pequena (em relação às famílias muçulmanas), a perspectiva econômica, conflitos políticos, guerras, discriminação, entre outros.
Estima-se que desde a ocupação do Iraque, 730 cristãos no Iraq foram mortos. A reportagem informa que "um membro do município cristão em Bagdad disse [sic] 'Os cristãos no Iraque perderam a esperança. A melhor maneira sobreviver é procurar um outro país.'"

Devemos orar por nossos irmãos que convivem com a perseguição apostólica cotidianamente e pelos diversos missionários da região, a fim de que não desanimem. Uma recompença imensurável os aguarda; esta deve ser a razão maior da esperança deles - e da nossa! Também devemos nos preparar para os tempos nos quais perseguição ao povo de Deus será uma realidade mesmo no Ocidente "civilizado".

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DEUS, UMA SÉRIE DE BOATOS E BOBAGENS


Por que as biografias vendem tanto? Atualmente, o fenômeno midiático exalta algumas personalidades, criando interesse em torno delas, de suas supostas habilidades e até de detalhes de sua vida privada. Isso leva muitas pessoas a procurarem publicações, reportagens, documentários e produtos relacionados à vida de um ou mais artistas de sua preferência. Neste contexto, livros biográficos ainda são uma das formas de atender à crescente demanda por satisfazer a curiosidade dos fans. Muitas vezes, surgem as chamadas "biografias não-autorizadas", que, sem a colaboração ou permissão dos biografados, se destinam a explorar detalhes geralmente escandalosos ou polêmicos de sua vida; obviamente, isso atrai o público ávido por informações, ainda que muitos não possuam a capacidade ou senso crítico suficiente para avaliar os dados mencionados.

Em sua edição de Novembro, a revista Superinteressante publicou o que poderíamos chamar de uma biografia não-autorizada. E quem é o biografado? Ninguém menos do que o próprio Deus! A reportagem intitulada Deus: uma biografia (DB) [1] tem todos os ingredientes das biografias não-autorizadas: polêmicas, dados controversos e linhas proferidas mais com o intuito de fazer barulho do que em informar de forma fidedigna. Infelizmente, esse viés de "jornalismo marrom" vem se consolidando nas páginas de Super, ainda mais quando se trata de assuntos religiosos. Falarei mais sobre isso na sequência.

Inicialmente, vale dizer que a matéria parte do pressuposto que Deus seja mera invenção humana, e que o conceito em si passou por reformulações até chegar à ideia sobre a divindade que está presente nas mentes ocidentais. Se for verdade, a Bíblia, que se destina a servir como auto-revelação de um Ser Supremo, estaria seriamente comprometida. Ao mesmo tempo, se estabeleceria uma forte razão para o abandono à crença em Deus e na própria religião. Mais do que isto até: teríamos de admitir que o conhecimento humano não é seguro, porém mutável, relativo e digno de pouca (ou nenhuma) credibilidade.

Para alguns, talvez o último ponto seja um exagero. Mas prometo retornar a ele. Quero, por agora, apenas inserir a consideração de que se a ideia sobre a verdade a respeito de Deus se trata de uma construção humana, está fadada tanto ao fracasso, como a demonstrar a fabilidade epistemológica do homem. Porém, cada coisa ao seu tempo.

Neste artigo, analiso as duas grandes tendências equivocadas em DB; acredito que elas sejam responsáveis pela série de informações duvidáveis presentes na matéria. Ao explaná-las, mostrarei o reverso da moeda - aqueles fatos que as matérias da Super, e.g., por ignorância passiva ou ativa, não exploram. Vamos às tendências visíveis no texto da revista:

1) Considerar a formulação do conceito de Deus como algo progressivo: Desde o início esta presuposição guia DB: "[...] Essa concepção [tradicional sobre Javé], que hoje parece eterna, de tanto que a conhecemos, não nasceu pronta. Ela é fruto de fatos históricos que aconteceram antes de a Bíblia ser escrita. O próprio Javé foi uma divindade entre muitas. Fez parte de um panteão do qual nem era o chefe. O fato de ele ter se tornado o Deus supremo é marcante [sic]É essa a história que vamos contar aqui. A história de Javé, a figura que começou como um pequeno deus do deserto e depois moldaria a forma como cada um de nós entende a ideia de Deus[...]". [2]

Adiante, a Super procura explicar o surgimento do conceito de Deus, alegando que tal crença "provavelmente vem da capacidade humana de detectar as intenções das outras pessoas. [sic] E a melhor maneira de tentar se antecipar a um adversário nos jogos mentais do dia é imaginar as intenções dele [...]"; logo, a "ideia de que há espíritos de toda sorte da natureza seria, assim, um efeito colateral do nosso sistema de detecção de mentes, tão hiperativo." A afirmação é ainda usada para convalidar a ideia de que "a espiritualidade faz parte de nossos instintos. É quase tão natural acreditar em divindade quanto comer ou dormir." [3]

Há vários problemas sérios nas afirmações da revista. Em primeiro lugar, quais as evidências de que a crença em divindades surgiu com a necessidade de saber como pensam outras pessoas? A própria matéria se limita a dizer que "provavelmente" tal necessidade explique o surgimento da noção de divindade. E qual seria a relação entre as intenções humanas e os deuses, indicadores (segundo DB) da existência de propósito nos elementos naturais? Ou mesmo, que tem que ver espiritualidade com o desejo de explicar o mundo físico?

Se a espiritualidade pudesse ser reduzida à uma formulação que explicasse as leis naturais, seria certo que, à medida em que outros métodos fossem adotados para o estudo da natureza, a espiritualidade seria dispensável. Contudo, o que vemos no início da história da Ciência? Uma contribuição significativa para a revolução científica se deu por meio da influência da Bíblia! Colin A. Russel, professor de História da Ciência, atesta que em "conformidade com este conceito está o papel predominante desempenhado na nova ciência por países protestantes como a Grã-Bretanha, Países Baixos e Alemanha [sic] O que parece agora claro, sem qualquer contradição, é que uma redescoberta do cristianismo bíblico levou a uma nova percepção qualitativa da natureza, grande o bastante para abranger essas descobertas recentes e tornar possível a Revolução Científica."[4] Assim, a teologia bíblica, longe de tratar de um mundo encantado (dos animistas) ou deificado (dos panteístas), revelou aos primeiros cientistas um mundo que eles poderiam pesquisar, o qual era distinto de seu Criador. Isaac Newton, por exemplo, estudava as leis do universo para entender seu funcionamento, sabendo que elas não oferecem "subsídios sobre a sua origem" [5]

Vale lembrar que a Etnografia e a Arqueologia contribuem para ressaltar paralelos e distinções entre a Literatura bíblica e a de seus conterrâneos, como as antigas civilizações de Canaã, da Mesopotâmia, Eridu, entre outras. Muitos estudiosos chegam a conclusão de que estas tradições escritas retratem acontecimentos históricos sob perspectivas culturais divergentes. Desde o início, fica claro a não-dependência da matéria bíblica em relação a outras tradições; encontramos nos textos judaicos uma linguagem que não favorece a concepção de um mundo mágico ou idealizado. [6] Portanto, justificar a crença em Deus como uma visão de mundo pré-científica é entender de forma equivocada tanto o papel da fé cristã, como sua abordagem acerca do mundo natural.

Em verdade, a única justicativa para se entender a Bíblia como mera produção de mito surge da utilização do método histórico-crítico, que impõem ao texto bíblico concepções naturalistas (i.e., contrária a ideia de milagres e eventos sobrenaturais). A esse respeito, a opinião de Karl Kawtsky é esclarecedora. "As histórias da Bíblia contém, sim, um núcleo histórico, mas esse núcleo é extremamente difícil de ser determinado."Ele encontraria coro entre dezenas de eruditos liberais, quando supõe que seria um erro tomar a história bíblica como "história real". [7] A Teologia Liberal teve seu surgimento no século XVIII. Johann Gottfried Eichhorn foi pioneiro ao afirmar que cada livro do AT não teria um único autor, mas conteria diversas contribuições históricas. Para Eichhorn a Bíblia seria mera mitologia, da mesma forma que a grega. [8] Comparação semelhante, aliás, aparece em DB. [9]

O pensamento teológico liberal leva à datação posterior das fontes bíblicas, principalmente em função das profecias (que seriam vistas apenas como relatos de coisas que já aconteceram). Ultimamente, entretanto, mesmo os estudiosos mais radicais se viram forçados a retroceder as datas propostas para a autoria dos textos sagrados. Num livro recente sobre história do Cristianismo, embora se suponha que o Novo Testamento emparelhe "fato e sua leitura teológica", as datas dos livros canônicos coincidem com aquelas admitidas pelos estudiosos conservadores. [10]

Na contramão dos melhores e mais recentes estudos do texto, a Super surge com a estafúrdia afirmação: "[...]O Pentateuco, os 5 primeiros livros da Bíblia, foi finalizado por volta de 550 a.C. Mas há textos ali de 1000 a.C., ou de antes. E nada disso foi editado em ordem cronológica - em grande parte, a Bíblia é uma junção de textos independentes, cada um escrito em tempos e realidades diferentes." [11] Embora este pensamento tenha inundado a Teologia em séculos passados, ele nunca deixou de ser uma tendência, uma opinião de alguns eruditos. Sempre houve respostas e contra-propostas a este tipo de abordagem.

O reconhecido erudito Gleason Archer Jr. pondera: "[...] O método mais objetivo de datar a composição de qualquer documento escrito é examinar as evidências internas. Isto quer dizer que, anotando-se alusões incidentais ou casuais aos eventos históricos contemporâneos, a assuntos em pauta na época, à condições geográficas e climáticas, à flora e fauna (a vida vegetal e animal) então prevalecentes, à indicações de participação do autor como testemunha ocular, é possível chegar-se a uma estimativa acuradíssima do lugar e da data de composição." Levando em conta todos estes aspectos, Archer conclui que Moisés teria as qualificações exigidas para ser o autor do Pentateuco. [12]

O método histórico-crítico dos liberais também implica na apresentação de conceitos, retratados como fruto de longo desenvolvimento histórico, quando na verdade é possível vê-los presentes nos textos mais antigos. O texto de DB chega a cometer erros crassos, como apresentar o exclusivismo religioso de Israel como um fruto da reforma de Josias (século VII a.C). [13] Claro que os redatores da matéria jamais leram sobre o conflito retratado em 1 Rs. 18, ocorrido séculos antes!

Parte da confusão que DB faz entre a suposta assimilação de conceitos atribuídos a Baal por parte do texto bíblico é melhor explicada por um conflito real ocorrido na época de Acabe (e antes até): o sincretismo religioso! Se Baal e Jeová já foram confundidos, a razão é a influência que Israel sofreu de seus vizinhos, o que constituiu o abandono do Deus verdadeiro. Nenhuma evidência arqueológica ou textual conseguiu provar que atributos reservados a Jeová tivessem se originado no culto a Baal. O monoteísmo remonta ao Pentateuco, obra que, dentro da perspectiva histórica e literária, é atribuída à autoria mosaica, segundo os mais competentes estudiosos do texto bíblico.

Outra insinuação ingênua da reportagem aponta que a redenção ofertada no Novo Testamento não pode ser vislumbrada no AT, repleto dos "castigos divinos". [14] Entre muitos objeções plausíveis, cito a seguinte: “[…] Quando Israel ia após outros deuses (para usar a frase mais comumente empregada em Deuteronômio e nos livros históricos), os efeitos não eram apenas religiosos, mas também éticos. Ou, especificamente, ‘não-éticos’ – pois a idolatria sempre tem desastrosos efeitos sociais e éticos, como os profetas viram claramente.” Assim, no AT não se trata de obediência cega às regras; tudo começa com um Deus que toma a frente e espera uma resposta de obediência e gratidão à Sua iniciativa graciosa. Isso fica claro no livro de Deuteronômio, quando o prólogo histórico (Dt 1-4) precede a responsabilidade ética, com a recapitulação dos dez mandamentos (Dt 5). Mesmo no NT, o amor divino antecipa a resposta obediente do ser humano (cf. Jo 15:12; 1 Jo 4:19). Assim, segundo o autor, seria uma distorção pensar que no AT a salvação se dava por mera obediência a lei, enquanto no NT a salvação ocorre pela graça; apoiando-se nos escritos de Paulo, ele diz que a “graça é o fundamento de nossa salvação e de nossa ética em toda a Bíblia.”[15]

Em síntese, DB peca por apresentar uma suposição infundada, que os melhores estudiosos das diversas áreas teológicas não poderiam endossar. Isto nos leva a um último questionamento: Por que as melhores fontes foram ignoradas?

2) A estrutura da matéria da revista, que sustenta alegações pretenciosas e descabidas, sem oferecer pontos de vista alternativos (como reza a cartilha do bom jornalismo): Infelizmente, além de a Super não ser nehuma autoridade em Teologia, certamente seleciona preconceituosamente seus colaboradores. Há especialistas no léxico bíblico, Arqueologia bíblica e conceituados doutores em Teologia Sistemática espalhados pelo Brasil. Por que muitos são consultados pela revista Isto É, mas continuam olvidados pelas páginas da Super?

Fica evidente o compromisso da revista em promover uma ideologia naturalista, sem ao menos ser capaz de ouvir quem pensa diferente. Isso leva os editores a abordarem assuntos que tratam da Bíblia da perspectiva liberal, embora esta tendência esteja superada em vários círculos. Seria a polêmica simples estratégia de vendas, a expensas da qualidade da informação? [16]

Quando se abre mão de uma explicação mais ampla, em virtude de um compromisso ideológico, não se apura a Verdade. Não se deve escolher a priori entre agir como se Deus existisse ou fosse fruto da imaginação judaica: deve-se optar por aquilo que abrange melhor as evidências. No início do artigo, afirmei que, se Deus é uma fábula, nossa noção de conhecimento cai por terra. Termino lançando luz sobre a afirmação.

Como sabemos que nosso conhecimento sobre as coisas (sobre qualquer coisa) é confiável? Na verdade, os naturalistas não podem provar que o conhecimento humano seja confiável - embora muitos já o tentassem, mas sem sucesso. Se, por exemplo, o conhecimento evolui, assim como nossos cérebros, não podemos esperar ter certeza sobre nada - nossas percepções atuais podem ser sucedidas por outras "mais evoluídas". Qual a saída?

Ao resumirem os argumentos de Alvin Plantinga, professor da Universidade de Notre Dame, dois filósofos escreveram: "[...] A questão é a seguinte: se o conhecimento existe e se as faculdades que funcionam apropriadamente são condições necessárias para o conhecimento, logo, se a noção de funcionamento apropriado requer a existência de um planejador dessas faculdades e não pode ser adequadamente compreendido em termos estritametne naturalísticos, podemos concluir que o naturalismo metafísico é falso." [17] Soa muito mais lógico conceber que fomos "programados" para conhecer as coisas por um Ser Inteligente, que, inclusive, nos legou a Sua própria auto-biografia: a Bíblia.

[1] José Lopes e Alexandre Versignassi, Deus: uma biografia, Superinteressante, ed. 284, Novembro 2010, pp. 58-67.
[2] DB, p. 59.
[3] DB, p. 60.
[4] Colin A. Russel, Correntes Cruzadas: interações entre ciência e fé (São Paulo, SP: Hagnos, 2004), pp. 62-63.
[5] Jonathan Hill, História do Cristianismo (São Paulo, SP: Rosari, 2008), p. 356.
[6] Rodrigo Silva, A Suméria e os testemunhos extra-bíblicos de Gênesis, Parusia, ano 9, número 1, primeiro semestre de 2010, pp. 19-45.
[7] Karl Kawtsky, A origem do cristianismo (Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 2010), p. 223.
[8] Jonathan Hill, idém, p. 360.
[9] DB, p. 61.
[10] Alan Corbin (org.), História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (São Paulo, SP: Martins Fontes, 2009), p.7. O texto informa que as cartas de Paulo datam entre 50 a 58 d.C; os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João corresponderiam, respectivamente, às datas de 65, 70-80 e 90-95 d.C.
[11] DB, p. 62.
[12] Gleason Archer Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2000), sexta reimpressão da terceira edição, pp. 498-507. "Em resumo, é muito duvidoso se a hipótese de Wellhausen [o autor da hipótese documentária, que divide o Pentateuco em uma colcha de retalhos] mereça a posição de respeitabilidade científica. Há tantas alegações forçadas para pleitear a causa, tantos argumentos em círculo, tantas deduções questionáveis tiradas de premissas não substanciadas, que é absolutamente certo que sua metodologia nunca substiria num foro jurídico." p. 496. O mesmo poderia servir para a reportagem da Super!
[13] DB, p. 66.
[14] Idem, pp. 67, 66.
[15] Christopher J. H. Wright, Old Testament Ethics for the People of God (Grove, Ill: Intervarsity Press, 2004), p. 23, 28-29.
[16] Nota-se o mesmo a tendência nas seguintes matérias (seguidas pelas devidas respostas): (A) Marcos Nogueira, A Bíblia como ela é, em Revista Superinteressante, ed. 245, Novembro de 2007, pp. 96-99, Douglas Reis, Como viver biblicamente de verdade, disponível aqui; (B) Leandro Narloch, O papa do Jesus Histórico, Superinterante, edição 250, Março 2008, seção superpapo, pp. 17-19, idem, Novas pérolas de Crossan na Superinteressante, disponível aqui e aqui; (C) José Francisco Botelho, Quem escreveu a Bíblia?, Superinteressante, edição 259, dezembro de 2008, pp. 60-69, idem, Quem escreveu [com tanta impropriedade sobre] a Bíblia?, disponível aqui e aqui.
[17] J.P. Moreland e William Lane Craig, Filosofia e cosmovisão cristã (São Paulo, SP: Sociedade Religiosa edições Vida Nova, 2005), p. 136.