terça-feira, 23 de agosto de 2011

CETICISMO EM SÉRIE


Em nossa cultura ocidental, espiritualidade é sinônimo de opção de conforto, não de racionalidade. Existe até mesmo um falso dilema entre escolher entre crer e viver inteligentemente. Em grande parte, essa atitude cética se reflete na produção cultural dos meios de comunicação em massa. Para fins práticos, adotaremos a definição de ceticismo dada pelo dicionário Houaiss: “doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafísica, religiosa ou absoluta do real.”

Tendo em mente a onda crescente de ceticismo citaremos exemplos de filmes e seriados recentes que promovem o ceticismo aberto como a única atitude intelectualmente aceitável ou desabonam, ainda que de forma inconsciente, a fé, reduzindo seu papel à dimensão privativa.

Em 2009 foi filmada uma nova versão do clássico detetive Sherlock Holmes, criado por Sir Arthur Conan Doyle. A nova versão do detetive agora era uma espécie de cientistas Dante, que passava noites insones em experimentos musicais com insetos e se metia em lutas de rua para testar suas técnicas de Kung Fu. Mas perpassa todo o roteiro a luta intrínseca entre o empirismo de Holmes e a falsa religião, representada no filme por uma seita (de certa forma, tenta-se caricaturar a maçonaria). A alegação do líder da seita de realizar milagres não passa de uso de uma má ciência, apoiada na ignorância dos seus seguidores.

Na série The Mentalist, Patrick Jane é um ilusionista treinado na adolescência pelo pai vigarista. Ele se aproveite de seu carisma e poder de observação para iludir as pessoas. Em um programa de televisão, dá uma declaração que irrita o serial killer conhecido como Red John. Para se vingar, o assassino invade sua casa e mata a mulher e a filha de Jane. Depois de superar o trauma, ele se une à agência de investigação ACI na esperança de acertar as contas com Red John.

Em Seeing red (sétimo episódio da primeira temporada), surge uma vidente (Kristina Frye) que avisa sua cliente de que ela corria perigo de vida. Apesar de ser tratada como suspeita, a investigadora Van Pelt (retratada como romântica e ingênua em boa parte do tempo) levanta a hipótese de que talvez Frye seja o que alega ser: uma autêntica vidente. Patrick Jane a critica. “Van Pelt tem direito à sua opinião”, rebate a chefe dos investigadores, a detetive Lisbon. “Não se estiver errada. É como crer no coelhinho da Páscoa”, retruca Jane.

No seriado Lie to me, no qual uma equipe de investigadores independentes detecta mentiras pelo estudo científico de expressões faciais, ocorre a inserção de uma referência ao darwinismo como um fato inquestionável no segundo episódio da primeira temporada. Ria Torres, a nova assistente do Dr. Lightman pergunta se ele acha que ela, por ser mulher, acredita na oficial do exército que alega ter sido estuprada por um superior. Lightman afirma: “Eu, Darwin, e 200 anos de biologia evolutiva.”

Novamente em The Mentalist encontramos algo similar. No episódio red rum (o décimo segundo da primeira temporada), Patrick Jane declara fortuitamente: “A vida é uma em um milhão. O universo é uma grande coincidência. Coincidências cosmicamente improváveis que acontecem o tempo todo. Apenas não as notamos.”

Dexter, outra série citada anteriormente no blog, contém comentários com doses de sarcasmo e ceticismo quase em mesma medida. Em “Crocodilo” (o segundo da primeira temporada), o psicopata Dexter prepare-se para assassinar outra vítima quando diz a si mesmo: “Se Deus está nos detalhes, se acreditasse em Deus, ele estaria nessa sala comigo.”

Embora mais sutil, The Mentalist também endossa que a religião sirva para dar “esperança e significado” à vida, nas palavras de Tamzim Dove, uma bruxa charlatã (red rum) ou como admite o próprio Patrick Jane, comparando sua função de consultor da ACI com a vida que teve: “Fazia mais bem quando vidente. Dava esperança às pessoas. Esperança falsa, mas era esperança.” (em redemption, primeiro episódio da segunda temporada).

Até na popular CSI:investigação criminal, fica patente a visão do desalento cósmico a que a humanidade está submetida: o episódio Estrelas Cadentes (quarto da sexta temporada) termina com Grissom conversando com uma jovem que assassinou os membros de sua seita, acreditando que eles teriam liberdade de seus corpos. Quando ela lhe pergunta se ele acreditava em alguma entidade cósmica, o investigador responde que se existem seres superiores eles seriam inteligentes o suficiente para não se envolverem com o homem!

A posição de alguns seriados é tão evidente que eles acabam conhecidos pelo seu ateísmo engajado. É o caso de Dr. House, considerada uma das melhores na atualidade. Ela trata de um médico rabugento que resolve com sua equipe casos de doenças raras. Não à toa, o criador da série é um advogado ateu de ascendência judaica…

Claro que, em alguns casos, o discurso de ateísmo acaba traindo a usual arrogância e descamba para admissão de que o ceticismo não é uma certeza concorrente à religião – mas uma incerteza generalizada! Isso ocorre no diálogo curioso do episódio piloto de The Mentalist. Já indignada com seu colega cético, a investigadora Van Pelt desabafa: “O reino de Deus é um lugar real, Sr. Jane, e você tem uma alma imortal.” “Espero muito que esteja errada”, é o máximo que ele consegue dizer. No fundo, temos aqui uma resposta muito sugestiva: já que o ceticismo não tem certeza de nada, cabe-lhe a expectativa de que a fé esteja equivocada, embora ele não tenha base para arcar com o ônus da prova – de qualquer prova!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

DE QUANTOS TIPOS DE IGREJA PRECISAMOS?



Com a preocupação de alcançar uma sociedade plural, há diversos missiólogos propondo múltiplas estratégias evangelísticas. Algumas delas compreendem transformações na própria natureza da igreja, envolvendo mudanças no culto, no estilo de pregação e no próprio ambiente em que as reuniões acontecem. Em geral, o argumento repisado é: “o mundo mudou”.
Evidentemente, os cristãos necessitam ser sensíveis ao mundo. Devem pregar de uma forma que se façam ouvidos e respondam a necessidades das pessoas às quais almejam evangelizar. Entretanto, jamais isso significou abrir mão de sua identidade. A igreja é o corpo de Cristo (1 Co 12:12), existindo para que haja edificação mútua capaz de conduzir cada membro à maturidade espiritual (Ef 4:12-14, 16). A ordem é crescer em Cristo (Ef 4:15), o que se opõem aos referenciais seculares; afinal, não se pode promover o Reino de Deus utilizando motivações, métodos ou temperos mundanos (Tg 4:4; 1 Jo 2:15).
E se o alvo da comunidade espiritual é a unidade em Cristo, como alcançar isso enquanto se promove o evangelismo segmentado? No meio evangélico, é frequente existirem movimentos voltados para evangelizar determinados grupos sociais ou faixas etárias: igrejas para afro-descendentes, hispanos, pessoas da alta classe, jovens universitários, pós-modernos, etc.
Aqui é necessário fazer uma diferenciação oportuna: a existência de ministérios ou grupos de apoio voltados para ajudar grupos sociais ou faixas etárias em suas necessidades específicas é algo fundamental. Aliás, esse raciocínio está presente na metodologia das diversas classes de escola sabatina. A história contada no rol do berço, onde a narrativa é intercalada pela presença de bichos de pelúcia, figuras em flanelógrafos e canções curtas, jamais funcionaria da mesma forma na classe dos juvenis – e vice-e-versa! Eu mesmo atendendo a diversos encontros e programações voltadas a universitários, que necessitam ouvir um conteúdo mais específico e sólido. É bom mostrar que o evangelho possui suficiente envergadura para alcançar as pessoas em suas necessidades particulares.
Porém, o culto público é feito para todos. Nas diversas ocasiões em que ele acontecia no AT, as pessoas compareciam com suas famílias, sem exceção (exemplos: Dt 12:12; 29:10-12; 31:12-13; Js 8:34-35; 22:26-27; Jz 2:10; 1 Cr 9:23; Ne 8:2-3). No livro de Atos, percebemos que, a despeito da diversidade étnica, havia apenas um modelo de igreja. Quando surgiu uma crise entre judeus convertidos e judeus cristãos de fala grega, teria sido um ótimo momento para formar duas congregações distintas – ao contrário disso, os discípulos instituíram o ministério do diaconato, para atender as viúvas gregas negligenciadas na distribuição de recursos (At 6:1-6).
Após a conversão de Cornélio, Deus poderia ter orientado os apóstolos a se dividirem para atender judeus e gentios separadamente; ao invés disso, vemos o dom do Espírito sendo manifesto entre os gentios diante dos seus irmãos judeus, para confirmar que eles eram o mesmo povo (At 10:39-48). Nada no NT apoia congregações segregadas – o próprio termo seria de um contrassenso contundente! Se, nas palavras paulinas, “não há judeus, nem gregos” (Gl 3:28), seria estranho criar congregações que dividissem as pessoas, quando a lógica do NT é sermos um em Cristo!
Mesmo a abordagem multiforme de Paulo (1 Co 9:19-23), evocada pelos missiólogos, é bem diferente daquilo que eles propõem. Ela se relaciona muito mais ao contato pessoal e às oportunidades de discursar em ambientes não cristãos (At 17:22-32, por exemplo) do que a congregações especialmente adaptadas para atingir determinados nichos. Nada no NT se assemelha à proposta atual, ou teríamos igrejas voltadas a romanos, a gregos, judeus, ou a qualquer outro grupo.
Como adventistas, temos uma missão mundial. Que o Senhor nos abençoe para cumprirmos nosso desafio no poder e dependência de Deus e com base nas orientações de Sua Palavra.

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QUANDO DEUS É MAIOR DO QUE O SONHO: JOVEM ADVENTISTA TESTEMUNHA NA CASA DA ANA HICKMANN

Quando pensamos em Daniel e Ester, nos vem à mente o relato de peregrinos que representaram parcial ou totalmente sua fé. A observação leva em conta o fato de que especialmente Ester era judia em segredo, o que sugere que, em algum momento, ela pode não ter sido tão firme em seus princípios. Seja como for, na hora em que Deus mostrou pelas circunstâncias a necessidade de ser representado entre pagãos, o que também beneficiaria seu povo, tanto Daniel quanto Ester corresponderam ao chamado dos Céus.

Neste fim de semana, um reality show retratou uma situação análoga: vimos que Deus tem ainda representantes em contextos em que não é costumeiro ver referências a Seu nome. Sei que a menção a reality show invoca programas como o Big Brother Brasil ou A fazenda, famosos pelo baixo nível. Entretanto, o programa em questão intitula-se A casa da Ana Hickmann. Nele a apresentadora que empresta seu nome à atração se digna a escolher uma repórter para seu programa entre moças pré-selecionadas. A dinâmica lembra de longe a do programa O aprendiz, também da Record.

Justamente no episódio televisionado ontem, surgiu um mistério em torno de uma das participantes, Wasthi Lauers, representante de Uberlândia (MG). A moça não participou de uma festa preparada pela produção da Casa de Ana Hickmann, que ocorrera na sexta-feira à noite. No sábado, justamente quando se deu a prova inicial, Wasthi não quis participar. Era inevitável o confronto: a apresentadora chamou a moça para entender seus motivos.

Revelado o mistério de Wasthi


Bastante emocionada, Wasthi declarou que é uma adventista do sétimo dia e enunciou algumas razões bíblicas para ter uma rotina diferenciada a partir de sexta-feira à noite, dia que ela identificou corretamente com o sábado bíblico (cuja duração se estende do poente de sexta ao de sábado). A notícia surpreendeu a apresentadora.

“Wasthi, neste ponto eu respeito totalmente a sua fé, a sua religião, a sua crença. Eu não estou aqui para julgar ou para dizer que você tem que mudar aquilo que você acredita, o que você sente”, declarou Ana Hickmann. Ainda assim, a ex-modelo ficou intrigada com algo: “Eu respeito os seus princípios, eu respeito as suas decisões, respeito sua fé, sua forma de viver, mas aqui no reality fica um pouco complicada essa situação porque quando você topou participar já sabia que aqui vocês iriam literalmente sair da rotina, que este é o nosso objetivo: buscar alguém que venha ser nossa repórter, para sair da rotina, você sabia disso?”

Wasthi disse que apesar da surpresa e desafio, resolver “por a cara a tapa”, porque queria muito ser repórter e, com essa motivação, aceitou participar e depois fazer seu julgamento. E, mediante as circunstâncias, ela escolheu que Deus era mais importante para ela.

A reação de Ana Hickmann


Ana Hickmann ouviu atentamente as palavras da jovem candidata. E explicou a ela que as provas do reality ocorreriam de domingo a segunda. “Que solução você me sugere para isso?”, quis saber Ana. Por umas três vezes, ela inquiriu da moça uma posição, apenas para receber a mesma resposta: ela não estava disposta a negociar seus princípios. “A única coisa que posso dizer é que eu posso fazer tudo, só não posso fazer no sábado, então, assim, se tem que competir no sábado, então eu não posso. Perder uma boa oportunidade talvez a melhor que eu já tenha tido até hoje. Mas eu cheguei até aqui porque vocês reconheceram meu talento, viram minha capacidade”, disse Wasthi em prantos.

A artista fez questão de enaltecer a moça adventista: “Você foi uma das minhas primeiras escolhidas.” Para Ana Hickmann, Wasthi possuía atributos como boa articulação, um vocabulário perfeito, carisma, além de ser comunicativa. “Tudo que eu tenho foi Deus quem me deu”, reconheceu Wasthi.

Ela foi muito clara até que ponto estava disposta a ir para honrar Seu criador: “Se tem que participar, e se tem que participar aos sábados, se esse é um critério, então não posso participar desse programa.” À frente, a moça resume sua compreensão da providência, justamente no momento em que parecia estar abrindo mão de um projeto acalentado há tanto tempo: “[…]uma frase que eu gosto muito: ‘Por maior que seja o meu sonho, o sonho de Deus é maior para mim’, eu acredito nisso e eu estou chorando, mas eu estou feliz. Mais uma vez Ele me deu prova de que o talento que Ele me deu é reconhecido pelos outros. E eu não sei o que Ele vai precisar fazer, quais as portas que Ele vai ter que abrir, mas Ele só fecha uma porta quando Ele tem outra para abrir. Então, eu agradeço pela chance, por tudo o que você disse, nossa, me deixou muito feliz.”


A despedida cheia de elogios: compensa ser fiel!




Finalmente, depois de um abraço emocionado, as duas se despediram, sendo que Wasthi se viu resoluta em deixar de participar da Casa da Ana Hickmann: “[…] Eu não esperava acontecer algo tão forte assim já no segundo dia, mas eu vou ter que aceitar a sua decisão. […] Mas uma coisa que eu quero repetir para você: você é uma menina talentosa, tem um brilho maravilhoso, uma grande comunicadora, continua sendo uma das minhas primeiras escolhidas, mesmo não estando mais aqui com a gente no programa. Eu amei te conhecer; você é uma pessoa muito especial, e mostrou ser mais especial ainda agora porque acredita nos seus princípios, segue dessa forma – isso é uma pessoa que a gente pode confiar.” Imagino que essas palavras, vindas de uma comunicadora conhecida nacionalmente, devem ter sido bastante encorajadoras para Wasthi.

A moça, que chorou quase todo o tempo, expressou que com pesar deixava o programa, mas que não estava totalmente triste, pois declarou: “[…]Eu fico feliz por poder dizer quem eu sou, como sou, no que eu acredito…”. Não estou bem certo de que a participação em reality shows seja ideal para cristãos, por vários motivos. Certamente, o mesmo pode ser dito sobre assistir tais programas, que, mormente, exibem situações contrárias aos nossos princípios mais básicos, além de se mostrarem de uma futilidade contumaz, com poucas exceções. A despeito disso, acredito que Wasthi Lauers, pelo seu testemunho, parecia responder a pergunta secular de Mardoqueu: “[…] Mas quem sabe? Talvez você tenha sido feita rainha justamente para ajudar numa situação como esta!” Et 4:14.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

FÉ, RAZÃO E EVIDÊNCIA DE MÃOS DADAS


“Na verdade, fé é uma resposta à evidência, não um júbilo pela ausência de evidência. O apóstolo cristão João escreveu em sua biografia de Jesus: ‘Estas coisas foram escritas para que vocês pudessem crer…’ Isto é, ele entendeu que o que está escrito é para ser considerado como parte da evidência na qual a fé se baseia. O apóstolo Paulo disse o que muitos pioneiros da ciência moderna criam, a saber, que a natureza em si é parte da evidência para a existência de Deus: ‘Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus – Seu eterno poder e sua natureza divina – tem sido claramente vistos, sendo entendidos pelo que foi feito, então tais homens não têm desculpa.’ Não é parte da visão bíblica das coisas ter crido quando não há evidência. Assim como na ciência, fé, razão e evidência caminham juntas.”

John C. Lennox, The God’s undertaker: has science buried God? (Oxford, Inglaterra: Lion Hudson plc, 2007), p. 15-16. [em português: Por que a ciência não consegue enterrar Deus? (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2011)].