terça-feira, 6 de março de 2012

INTRUSÃO


Os assuntos terminaram antes da tarde e Carlos buscou seu Ford no estacionamento. Já tinha feito as entregas e tencionava voltar para casa. Passaria novamente pela serra de Curitiba, sem pegar todo o trânsito da vinda. “Para baixo, todo santo ajuda”, dizia para si mesmo, aliviado.

Carlos já estava dirigindo a tempo quando sentiu o banco movimentar-se. Estranho. Olhou para trás, procurou. Claro, não havia ninguém além dele. O próprio pensamento soava absurdo. O movimento continuou. O que fazia o banco se mover daquele jeito?

A resposta estalou: ele não podia crer. Seu pé acelerada pelas largas ruas arborizadas. Já escurecera e a sensação cresceu dentro da cabeça. A mulher vira um camundongo no quintal. Carlos mesmo não chegara a topar com o roedor, mas até comprara veneno granulado, na esperança de que ele não chegasse a entrar em casa.

Carlos era homem, sem medo dessas coisas. Apenas não gostava de ratos. Se tivesse de matar o bicho, no momento em que ele surgisse a sua frente, seria tranquilo. Como nos velhos filmes de faroeste, ele seria o primeiro a sacar uma vassoura e arrebentaria a criatura. O problema era o jeito tinhoso do bicho. Ele se escondia entre móveis, subia prateleiras e se embrenhava nas sombras. Como achar o nocivo?

Carlos começava a descida. As janelas do veículo ficaram abertas na hora do almoço, para arejar. E se o tinhoso do quintal houvesse resolvido pegar carona? Pensamento horrível! O motorista se preocupava. E o banco mexia.

Que foi isso, algo lá atrás, um barulho fino, seria o animal? Carlos estremecia, olhando pelo retrovisor. Em vão – estava escuro à beça! O farfalhar continuava, e o estado de alerta aumentando…

A cada curva, Carlos suava mais. Tentava ver, e… escuro. O próprio console tilintava e ele pulava do banco, o mesmo que continuava a se mover. O rapaz já não sabia o que pensar. Sua tensão crescia, junto com a velocidade. As curvas eram feitas de modo desesperado. Carlos já vislumbrava a batida, quem sabe na próxima curva, com direito a informes na televisão e tudo! Seria mais um desses motoristas idiotas a aparecer no noticiário por uma dita imprudência, até o chamariam de bêbado – mal sabiam que tudo não passava de fruto do pânico que vivia. As mãos gotejavam, os olhos tentando captar figura do temível. E a descida frenética. Noite escura.

Lá pela metade, uma luz: parar em um posto. Acharia um? E o que diria, afinal? Pensou. Diria que tinha um bicho daquele naipe no carro? Se fosse assim, não poderia se expor. O que pensariam dele? Conjecturas assim lhe acorriam na hora em que sentiu um leve fisgar na perna.

A pressão foi demais. Carlos gritou, horrorizado. Como mataria um camundongo a 120 km/h ? E se a criatura encostara realmente nele? Ajeitou-se e tentou agir pela razão. Ufa!, não fora o monstrengo, não. Apenas a barra da própria calça lhe tocara a perna. Antes do pedágio, avistou um posto. Encostou o carro.

Enquanto o frentista abastecia o automóvel, Carlos, com a postura falsamente masculina esbravejou (quase à toa) que deveria haver algum bicho em seu carro. Abriu todas as portas e, aproveitando a iluminação do posto, olhou o interior do veículo.

Viu um amontoado de papéis no banco traseiro, que deveriam ter voado com as janelas abertas, provocando os ruídos que lhe pareceram os de um furtivo carona. No console repousavam justamente algumas moedas separadas para o pedágio – o tilintar delas na viagem se assemelharam a guinchos e chiados. Quanto ao banco inquieto, decerto faltava alguma regulagem nele. Carlos chegou a respirar aliviado. Enfim, nada indicava que qualquer roedor estivesse descendo a serra com ele. Pagou pelo abastecimento e seguiu viagem.

As mãos suavam menos, o pedal do acelerador não recebia tanta força e o escuro não tornava o motorista tão angustiado. Se bem que, nunca se sabe; o banco ainda balançava e alguns ruídos…

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