quarta-feira, 29 de maio de 2013

OS TEMPOS DE UMA CANÇÃO


Cá estou eu, sentindo o chocolate itinerante escorrer sobre minha barba enquanto ouço uma gravação dos Heralds (Arautos do Rei americanos). Com figurino com cara de 1970s, embora fosse 1985, eles cantam Milky White Way, um dos hits mais marcantes na voz de Jerry Patton. Durante a apresentação na Austrália, o segundo tenor do quarteto realmente esbanja técnica e potência vocal, além de dar uma “canja” para Jim Teel, o pianista do grupo, responsável pelo arranjo instrumental.
Quem for curioso encontrará outras versões de Milky White Way: a entoada na despedida de Patton dos Heralds (ops, na época, eles já haviam voltado a ser The King’s Heralds), em 2004. A formação que acompanha o lead é a que gravou a versão original a capela (no arranjo de Wayne Hooper), com John Ramsey fazendo o primeiro tenor e Jim McClintock no baixo (substituídos na turnê australiana por Don Scroggs e Jim Ayars, respectivamente). Os ex-integrantes se reuniram para a despedida em uma versão bonita da canção.
Esse mesmíssimo grupo aparece em outro vídeo mais recente, onde estão visivelmente mais velhos (todos passam dos sessenta anos). No vídeo mais novo, a qualidade é sensivelmente menor: embora Patton seja um grande intérprete, seria injusto esperar dele o mesmo desempenho que teve há trinta anos.
Aliás, por isso os vídeos de 1985 (não só a da canção Milky White Way especificamente) maravilhavam os amantes de quartetos: mostram um quarteto em forma, com seus integrantes no auge e acompanhados por um inventivo Jim Teel, que notabilizou ousadas incursões por novos mares. Era uma época diferente: separados de A Voz da Profecia (desde 1982), o grupo adotou o nome de The Heralds e passou a cantar música mais contemporânea, enquanto gravava, por outro lado, CDs a capela de extremo requinte.
Vê-los e ouvi-los é voltar no tempo e conhecer outra geração. Ou se lembrar da sua mesmo (dependendo da idade do leitor). Fico me imaginando na época quando penso nas datas dos vídeos: em 1985, eu não tinha barba ainda (acho que ninguém tem antes do cinco anos de idade!…).
O último vídeo com Milky White Way que assisti tem uns dois anos e foi gravado pela nova formação, de forma bem caseira e despretensiosa. Eles estão em um quarto de hospital. Deitado na cama, bastante debilitado, está o homem da canção, Jerry Patton. Em alguns momentos, temos a impressão de que o idoso tenor tenta balbuciar a canção: sem dúvida, ela não está da mesma forma – comparar o lead atual, Joel Borg, com o Patton em sua melhor forma é desleal: Borg é competente, Patton, excepcional. Todavia, a homenagem e o carinho ao tenor debilitado até nos fazem esquecer esse detalhe e cantarolar junto com o quarteto, como fez a enfermeira que aparece na filmagem. Aliás, ao seu lado está Jack Vezea, barítono que acompanhou Patton por 30 anos. Algumas coisas parecem não mudar…